Month: Agosto, 2007

Aventuras maçónicas…

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(O texto que se segue foi traduzido da revista electrónica “Disidencias” e optei pela sua publicação pelo interesse e importância de alguns dos dados sumariados para a compreensão da história sócio-política da Europa. Contudo, algumas passagens parecem encerrar empatia para com uma certa ideia da maçonaria, algo que eu não partilho nem aceito.)

EUA – O Império maçon

Historicamente a maçonaria norte-americana nunca perdeu o ritmo da política na sociedade do seu tempo e sempre conseguiu colocar os seus membros em postos chaves da administração.

Cerca de 75% dos presidentes norte-americanos foram maçons ou comprometidos com a maçonaria. E nos últimos 30 anos, foram maçons, Lyndon B. Jhonson, Gerald Ford, George Busch. Bill Clinton pertence à “Ordem de Molay”, para filhos de maçons. Ronald Reagan, apoiou a sua administração nas novas fortunas capitalistas (o chamado “dinheiro novo”) que surgiram durante os anos setenta e que rivalizavam com o “staff” liberal dos Rockefeller, dos Morgan e dos círculos mundialistas, porém não deixou de rodear-se de conhecidos maçons (George Busch) e membros da Opus Dei (a embaixadora Kirpatrick).

Um dos centros do poder norte-americano onde a maçonaria tem sempre estado comodamente representada é no Pentágono. Calcula-se que 80% dos altos oficiais do Exército – quase como nos tempos de George Washington- pertencem a alguma das 52 Grandes Lojas (uma para cada um dos Estados da União), é assim que está dividida a maçonaria dos E.U.A. Os generais Collin Powell e Schwarzkopf, que dirigiram as operações na Guerra do Golfo Pérsico, são, assim mesmo, maçons.

A maçonaria americana actual conta com mais de 15.000 lojas e um total de 4.000.000 de filiados, a que se soma um número idêntico de afiliados em organizações para-maçónica (a Ordem dos Shriners, só para maçons do grau 30 a 33, a Ordem da Estrela do Oriente, para mulheres de maçons, conta com 2.500.000 membros, a Ordem de Molay para filhos de maçons, a Ordem do Arco Íris e a Ordem de Job para filhas de maçons, etc). Todo isto supõe um peso social e político decisivo e uma rede de ajuda mútua que alcança todos os sectores e quadrantes da vida norte-americana. Numericamente a maçonaria americana constitui o dobro do resto da maçonaria mundial. Os presidentes norte-americanos podem até não ser maçons, porém, jamais irão contra os interesses da maçonaria.

A União Europeia – Obra predilecta da maçonaria

Em 26 de Julho de 1994, Luis Salat, Grão Mestre da maçonaria espanhola afirmava que cerca de “90% das pessoas que propiciaram a União Europeia são maçons”. A declaração deu-se durante a inauguração da Loja Estrela Matutina nº 75, composta por 20 maçons de poucos anos. Salat declarou que “os maçons decidiram criar a União Europeia no intuito de coibir o absurdo de que Ingleses, franceses, alemães e outros povos se matem a cada 30 anos”.

Dois anos depois, em 8 de junho de 1995, o historiador Josep Carles Clemente reconheceu que a maçonaria propiciou a entrada da Espanha no Mercado Comum com o voto favorável de 60% dos membros do Parlamento Europeu, que pertenciam à maçonaria. Tomás Sarobe, sucessor de Salat, recordou que no início de 1997 mais da metade dos euro-parlamentares eram maçons. Em alguns meios anti-maçónicos tem-se chegado a afirmar que o Conselho da Europa é, em si mesmo, uma obediência maçónica; algo excessivo. A partir de 1922, a ideia da reconstrução da Europa, havia sido gerada, veiculada e promovida por maçons e foi na maçonaria europeia onde alcançou maior eco. O conde Richard Coudenhove-Kalergi criou em 1922 a União Pan-Europeia e nela se filiaram proeminentes políticos dos quadros da maçonaria da época: Benes (Checoslováquia), Streseman (Alemanha), Herriot (França). E o primeiro Congresso Pan-Europeu estava presidido por Benes e a ele assistiram também os maçons Nitti (Itália), Loebe (Alemanha) e Caillaux (França). O impacto da “ideia europeia” foi tal que impregnou todos os ambientes maçónicos e ocultistas. Uma das organizações mais misteriosas da época, “Alfa-Galatas”, presidida por Pierre Plantard, posteriormente Grão Mestre do Priorado do Sião, foi uma das que aderiram entusiasticamente.

A partir de 1946, no pós-guerra europeu, as distintas obediências maçónicas impulsionaram a criação dos organismos internacionais Pan-Europeus : o Conselho para uma Europa Unida, de Jean Monnet, a Liga Independente de Cooperação Europeia de Van Zeeland, a União Parlamentar Europeia de Coudenhove Kalrgi, a Associação Internacional para a Unidade Europeia de Joseph Retinger, etc. Todos eles, sem excepção, foram maçons.

Na actualidade, a influência da maçonaria no Parlamento Europeu é decisiva e as nossas fontes coincidem com os números dados pelo historiador J.C.Clemente, embora haja discordância quanto à representatividade de cada país, França, Inglaterra, Bélgica e Alemanha, superam a média. Temos que reconhecer que, neste terreno, o papel da maçonaria foi e está a ser extraordinariamente positivo. Graças às lojas foi possível assegurar a construção da Europa sem riscos de guerra, ao menos no Ocidente tem sido erradicada. Mais problemática é a participação e a presença de maçons em outras instituições.

Maçonaria nos órgãos de segurança do Estado

A maçonaria está presente nos corpos de segurança, não só nos E.U.A. (CIA), mas também na Inglaterra (Scotland Yard) e inclusive na policia italiana. Isto tem proporcionado o seu envolvimento em alguns escândalos.

Em 1993 o procurador italiano Agostino Cordova deu um grito de alarme ao denunciar que a maçonaria “estava infiltrada” entre os carabinieri e a polícia e que por isso era impossível investigar as lojas maçónicas e os seus laços com a política e a máfia.

Córdova, considerado como o magistrado que melhor conhece a máfia calabresa (N’drangheta) e que desde 1995 investigava a maçonaria afirmou que “o tecido do poder económico, político e administrativo da Itália”, segundo as suas investigações, conta com mais de 30.000 maçons e definiu-os como “autêntico partido incontrolável e que metade da militância pode ser perversa”. Num comunicado à imprensa, referindo-se aos carabinieri, declarou : “disseram-me que não conheciam a existência de lojas em zonas onde a sua existência é de domínio público” e explicou esse boicote devido a “muitos delatores dentro das forças da ordem”.

O Ministério do Interior avaliou em uns 100 os maçons que pertenciam às Forças da Ordem Pública. O procurador assinalou que dos 634 deputados, 28 pertenciam à maçonaria, dos quais, 19 pertenciam à loja P-2. É facto que a maior concentração de maçons italianos se localizava em Nápoles, Sicília e Calábria, ou seja, os lugares de maior concentração mafiosa e que tudo isto tivesse lugar num país que se convulsionou com o escândalo da P-2, transforma em inquietante este episódio.

Igualmente inquietante é o “Registro de Maçons” estabelecido no Reino Unido, depois da denúncia interposta pelos advogados dos “seis de Birminghan”. Na verdade, em meados dos anos 80, um grupo de cidadãos de Birminghan foram confundidos com membros do Exército Republicano Irlandês e condenados a duras penas de prisão. Os acusados sempre sustentaram a sua inocência, mesmo após terem sido submetidos a maus tratos e torturas. Em 1995, depois de uma revisão judicial, foram inocentados de qualquer culpa ou responsabilidade.

Porém, a investigação prosseguiu até Março de 1997, e supõe-se que, desde o princípio, a Scotland Yard conhecia a inocência dos acusados, só que para encobrir o erro dos primeiros funcionários que realizaram as detenções, membros da maçonaria inglesa, seus irmãos de Ordem, inspectores, juízes e advogados, pertencentes todos eles à mesma loja, decidiram camuflar as provas apresentadas pela defesa e condenar todos os acusados.

Isto ocorreu num momento de crise da maçonaria britânica. Presidida pelo Duque de Kent, a Grande Loja Unida de Inglaterra sempre esteve muito ligada à casa real. Os sucessivos divórcios e escândalos que sacudiram a monarquia inglesa repercutiram-se desfavoravelmente na própria imagem da maçonaria. A isto somou-se a oposição e desconfiança com que Margaret Tatcher tratou sempre a instituição, procurando limitar sua influência. O caso dos “seis de Birminghan”, evidenciou um segredo existente desde os tempos de Jack “o estripador”: que a militância na maçonaria é uma boa credencial para ascender na Scotland Yard, instituição cuja cúpula, tradicionalmente, conta com um número de maçons excepcionalmente alto. O Parlamento sugeriu a criação de um “registro obrigatório de maçons” com o que a tradicional confidencialidade da ordem seria quebrada.

Porém a aventura mais inquietante envolvendo a maçonaria moderna é, sem dúvida, a protagonizada pela Loja italiana Propaganda 2.

Uma loja atípica no centro do terrorismo

Lício Gelli, nascido em 1919, ingressou aos 45 anos na Loja Propaganda 2. Estava-se em 1965. Quatro anos depois, membros desta loja começaram a protagonizar actos de violência e atentados terroristas inusitados na Europa. E isto durou quinze anos. Em 1980, Gelli foi nomeado Grão Mestre da P-2. Dois anos depois, apesar de ser um dos homens mais poderosos da Itália, tinha em cima de si ordens de busca e captura… Como conseguira chegar até ali?

Os escândalos da Loja P-2 movem-se em três direcções : de um lado a sua participação nos principais episódios do terrorismo na Itália, do outro no caso do colapso do Banco Ambrosiano e, finalmente, na rede de tráfico de influências políticas.

A partir da sua fundação, a P-2 contou com a presença de um numeroso grupo de oficiais dos serviços de informação italianos (primeiro do SIFAR e depois do SID). Em 12 de Dezembro de 1969, estoura uma bomba na “Banca dell’Agricoltura” em Milão. Morrem 12 pessoas e o impacto causado na opinião pública foi impressionante. O acto foi atribuído sucessivamente à extrema-esquerda e logo à extrema-direita. O seu resultado político reforçou o governo de centro-esquerda e, em concreto, a figura de Andreotti.

Quatro anos depois produziu-se o atentado ao comboio “Italicus” e uma bomba causou meia dezena de vítimas na Praça da Loja de Brescia. No princípio dos anos 80 foram responsabilizados por todos estes atentados, membros do SID. E outro tanto ocorreria com o atentado à estação de Bolonha em Agosto de 1980, o atentado mais sangrento cometido em tempo de paz na Europa, com quase uma centena de mortos.

Cada um destes dramáticos episódios ocorria em momentos graves da política italiana e era utilizado como desculpa para recompor as forças e conquistar as noticias, as manchetes fizeram com que a raiz do crime passasse despercebida. Em 1980, a magistratura italiana descobrira uma rede de tráfico de influências em que estavam implicados vários generais da Guarda de Finanças, membros da P-2. A tensão emocional vivida através do atentado de Bolonha fez com que durante anos o caso fosse bloqueado. Em 1969 e 1974, quando se produziram os atentados de Milão, Italicus e Brescia, o centro-esquerda tentou fortalecer-se com a justificativa de fazer frente ao inimigo comum, os terroristas que actuavam na sombra.

Em 1980, alguns juízes italianos começaram a dirigir as suas investigações para apurar os responsáveis pelos atentados, porque até aí haviam seguido pistas equivocadas. Caprichosamente, em todas as investigações, alcança-se um ponto em que aparece a SID e, mais em concreto, os nomes de uma série de oficiais da “inteligência” desta instituição. E se os implicados nestes atentados foram manipulados pela SID? E se a SID criou pistas falsas, desviou investigações e indiciou falsos culpados? Os nomes de Gianadelio Maletti, Antonio Labruna y Stefano Viezzer, encabeçam e aparecem nos novos sumários instruídos. Em 1982, os magistrados deram um novo passo em frente nas suas investigações ao estabelecer que estes oficiais da SID eram, ao mesmo tempo, membros, e dos mais veteranos, da Loja maçónica P-2… A loja estava por detrás dos episódios mais violentos ocorridos na Itália entre 1969 e 1984, perpetrados para favorecer os interesses políticos de seus afiliados.

Quando em março de 1981 a policia revista “Villa Wanda” em Arezzo, a residência de Licio Gelli, lá encontrou uma lista com 900 filiados da P-2. Entre eles estava o nome de Giulio Andreotti, principal beneficiário político dos massacres e processado pelas suas implicações com a máfia Siciliana e a Camorra napolitana.

Tina Anselmi, presidente da Comissão Parlamentar que investigou a desestabilização política entre os anos 70 e 80 na Itália, declarou que os filiados da P-2 chegaram a ser 2.500. Ignora-se o nome de 1.600. Normalmente uma loja maçónica dificilmente tem mais de 50 filiados. Podemos supor que uma “loja” de 2.500 membros é praticamente inviável e o seu sistema de organização, gestão e actuação, deve, necessariamente, ser muito diferente do de uma loja regular. A P-2 era muito mais que uma “loja selvagem”, não reconhecida por nenhuma “obediência ” (federação de lojas que reconhecem uma única autoridade), era uma verdadeira rede de poder tentacular. Os seus vínculos com o terrorismo, a máfia e a CIA, evidenciam que não titubeava, no seu auge, na hora de utilizar meios ilícitos para conseguir os seus fins e intentos.

O colapso do Ambrosiano

Michele Sindona, banqueiro vinculado aos círculos mafiosos norte americanos, amigo pessoal de Paulo VI e de Licio Gelli, Grão Mestre da P-2, teria desde o início boas relações com o Vaticano e com os gestores do Instituto de Obras Religiosas (banco do Vaticano). Graças a Umberto Ortolani, outro membro da P-2 introduzido no Vaticano, trocaram-se favores com Paul Marcinkus, diretor do IOR, banco do Vaticano. Marcinkus investiu dinheiro do IOR no Banco Ambrosiano de Michele Sindona e este utilizou a rede bancária do Vaticano para lavar dinheiro da máfia. Licio Gelli – com os seus contactos na Guarda de Finanças, nos Serviços Secretos e no governo – conseguia garantir impunidade para todas estas operações.

Com a morte de Sindona, assumiu a direção do Banco Ambrosiano Roberto Calvi, tesoureiro da P-2. Foi no seu mandato e a seu mando que se produziu o colapso da instituição, cujas dívidas assumiu o IOR Vaticano. A morte de Paulo VI e o fugaz pontificado de João Paulo I precipitaram esta situação. O novo papa tentou clarear a situação e romper os vínculos que ligavam o Vaticano à máfia, à maçonaria e à CIA. Morreu em circunstâncias misteriosas e a situação continuou igual. As suspeitas sobre a morte de João Paulo I apontaram sempre para o envolvimento do Vaticano com a P-2. Calvi apareceu morto em Londres, aparentemente suicidara-se. Em Março de 1997 concluiu-se que havia sido assassinado por mafiosos de cujo dinheiro havia tentado apropriar-se. Até que ponto chega a máfia nesta sinistra trama?!

CIA-Máfia-P2: a Santa Aliança

Em Julho de 1990 a magistratura italiana encontrou um dossier com o correspondente da RAI Enio Remondino, em que figuravam as declarações do ex-agente da CIA, Richard Brenneke. Neste dito dossier constavam provas sobre as ligações entre a CIA e a P-2. Segundo esse dossier, a CIA protegeu e financiou a P-2 do início dos anos 70 até meados dos ano 80; a CIA servia-se da rede de contactos da P-2 na Europa para controlar o tráfico de drogas e cometer atentados terroristas. Num trecho desse dossier falava-se do caso Irão-Contras, meses antes deste vir a público, dando veracidade a essa documentação. Acusava-se o então vice-presidente Bush de ter negociado com Khomeini o atraso na entrega da Embaixada Americana no Irão, em 1980, esperando pelas eleições americanas, que deram o triunfo a Reagan. Como contrapartida, a CIA entregaria, através de Gelli, armas ao país Islâmico. Porém, havia muito mais. Olof Palme, conhecedor de todos estes aspectos, foi assassinado pela máfia seguindo instruções da CIA, delegadas através da P-2. Poucos meses depois outro ex-agente da CIA, Ibrahim Razim, confirmou estes acontecimentos.

Razim afirmou que Gelli, no final de 1986, enviou um telegrama do Brasil a Philip Guarino, um alto dirigente do Partido Republicano dos E.U.A., anunciando a morte de Palme. O telegrama pedia a Cuarino, colaborador próximo de Bush, que comunicasse ao “nosso amigo” que “teria que calar a árvore sueca”. Três dias depois Palme foi assassinado por um desconhecido, quando voltava a pé e sem escolta, junto da sua esposa, de um cinema.

O juiz Francesco Monastero apurou que a CIA chegou a entregar à P-2 mais de 10 milhões de dólares mensais. O ex- agente da CIA, Dick Brenneke, declarou ao juiz: “servimo-nos da P-2 para criar situações favoráveis à explosão do terrorismo na Itália e em outros países europeus nos primórdios dos anos setenta” e que “a P-2 está ainda viva e continua a ser empregue para a mesma finalidade com que foi utilizada nos primórdios do anos setenta”. O tráfico financeiro entre a CIA e Gelli aconteceu através de uma sociedade do Luxemburgo, denominada “Amitalia Fund”, possuidora de uma conta secreta (número 27321) na União de Bancos da Suíça, de Zurique.

Maçonaria e corrupção

Quando a polícia italiana se inteirou da lista parcial de membros da P-2 surpreendeu-se com um nome que até esse momento havia estado dedicado só ao mundo das finanças e da comunicação: Silvio Berlusconi, membro número 1816 da P-2. Se antes da “operação mãos limpas”, que desmontou o antigo regime corrupto dos partidos, a P-2 contava entre as suas fileiras com os exponetes máximos daquela conjuntura, como Giulio Andreotti, inaugurou uma nova etapa, a P-2 pôde colocar um dos seus nomes mais activos, Silvio Berlusconi, no parlamento e, durante uns meses, na chefia do governo. A P-2 sempre procurou uma intervenção directa na política. De resto, a sua participação em distintos atentados terroristas e escândalos de corrupção não tinha outra finalidade que não fosse a de melhorar a situação dos seus homens no ranking político italiano. E melhorá-la queria dizer oferecer a possibilidade de realizar novos e melhores negócios. Berlusconi foi, nesse caso, um verdadeiro ás. Outros morreriam a tentar.

Em 14 de maio de 1995 foram detidos dois antigos funcionários da SID acusados de ter cometido perjúrio no caso do escritor assassinado Mimo Pecorelli. Pecorelli, director do semanário “Observatório Político” fora membro da P-2 e acabou assassinado em Roma, a 20 de março de 1979. Pecorelli estava a ser considerado como um chantagista político e o seu semanário estava a ser financiado pela SID. Segundo a procuradoria de Roma a sua morte foi ordenada por Giulio Andreotti, companheiro de Loja e várias vezes chefe de Governo e Ministro. O crime foi cometido por mafiosos recrutados por Pipo Caló, da máfia. Os detalhes desse crime foram contados aos magistrados pelo mafioso arrependido Tommasso Buscetta. Segundo Buscetta, a máfia, dirigida na época por Stefano Bontate, quis intervir na libertação de Aldo Moro, sequestrado pelas Brigadas Vermelhas. Caló, melhor relacionado com os círculos do poder que Bontate, fez ver a este que a Democracia Cristã, o partido de Aldo Moro, não o queria livre. Moro foi, literalmente, abandonado à sua sorte. Em 1980 os carabinieri encontraram em Milão um esconderijo das Brigadas Vermelhas e entregaram ao general Della Chiesa as memórias do político assassinado, escritas no cativeiro. Nessas memórias, Moro revelava aspectos dúbios da classe política. Della Chiesa entregou fotocópias destas memórias a Andreotti e ao periodista Pecorelli que os fez chegar ao seu Venerável Mestre, Licio Gelli. Meses depois, Pecorelli quis tornar-se independente dos seus mentores, a SID e a P-2, e pretendeu publicar estas memórias na sua revista, assim como documentos que comprometiam Andreotti com a máfia. Pouco depois apareceu assassinado. A máfia disparou, mas foi a P-2 que indicou a vítima. A P-2 foi omnipotente, mesmo no centro-esquerda (democratas cristãos, socialistas), detentor do poder em Itália.

A P2 na América Latina

Licio Gelli considerava o Cone Sul como uma área preferencial para realizar intervenções, lavar dinheiro e obter facilmente o controlo político. Gelli integrou Perón na P-2 pouco antes do seu regresso à Argentina. A incorporação realizou-se em Madrid, na residência habitual do general Perón no exílio. Há que recordar que, nesta época, Perón tinha as suas faculdades mentais muito abaladas por uma arteriosclerose progressiva. Gelli, juntamente com o líder peronista Héctor Campora, convenceu a cúpula militar, sobre a transição da ditadura ao peronismo. Este plano contou com o apoio do Grão Mestre da maçonaria argentina, César de Vega, recompensado logo a seguir com uma subsecretaria no Ministério do Bem-estar Social, o mesmo ministério que depois foi dirigido por Raúl López Rega, “o Bruxo”, ocultista e fundador da seita secreta “Ordem dos Cavaleiros de Fogo”, ainda assim membro da P-2.

Gelli recebeu por tudo isto a Grã Cruz do Libertador San Martín das mãos de Perón, a mais alta condecoração argentina. Anos depois Gelli navegava em águas turbulentas, estava de boas relações com os inimigos jurados do peronismo, a nova junta militar. Em 30 de maio de 1981 foi convidado para a posse do General Viola, sucessor do General Videla à frente do governo militar argentino. Gelli havia conseguido introduzir na P-2 o almirante Massera, membro da Junta, e o seu ajudante, almirante Mason. Assim foi Gelli, caso único de malabarismo político, mantendo boas relações na Argentina…

O papel histórico da maçonaria tem consistido em abrir o caminho para as democracias liberais, a partir da Revolução Americana. Porém, não era esta a tarefa para a que fora criada ; institucionalmente: promover o aperfeiçoamento do ser humano e a prática da filantropia. Durante dois séculos e meio a maçonaria tem oscilado entre praticar a sua vocação iniciática e esotérica ou converter-se em defensora e patrocinadora de determinadas ideias e influências políticas. Ainda hoje, todavia, a polémica não está resolvida. Nada assegura que não possam ocorrer novos casos como o da P-2. Nada assegura que o papel positivo da maçonaria na construção da Europa, não acabe por se traduzir em corrupção, tráfico de influências e informações privilegiada.

A única garantia de que isto não voltará a ocorrer é o de que a maçonaria se volte para os seus conteúdos originários : ser a grande herdeira e continuadora da Grande Tradição Iniciática.

Itinerário Grego – Do realismo dos mitos à desencarnação pelas ideias

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É habitual, na nossa cultura, invocar o modelo grego como aquele da sabedoria, criando nos espíritos uma Grécia de postal ilustrado. As noções de serenidade, de equilíbrio e harmonia vêm naturalmente ao espírito daquele que se abandona à nostalgia do nosso grande passado. Porquê naturalmente? Sem dúvida porque essa Grécia é mais facilmente compreendida pelos nossos esquemas e quadros de pensamento modernos, pensamento ordenado, submetido à razão e à lógica. Contudo, essa Grécia, certamente bem real, é a que poderíamos denominar como “segundo movimento”, a que vai estabelecer limites e amar o que “está concluído”, ela tornou-se a nossa “referência grega”.

Um mundo sobre fundo de fogo, de ebriedade e de êxtase

Esses limites, ela colocou-os sobre um outro mundo, aquele que Nietzsche definirá em “O Nascimento da Tragédia” como o do reino de Dionísio, um mundo sobre fundo de fogo, de ebriedade e de êxtase. Esse mundo, gerador da vida da nossa cultura, está-nos muito mais inacessível, muito mais obscuro que aquele da época clássica, é o que vê nascer e viver os mitos de extraordinária potência cuja evocação não deixa de exercer sobre um bom número de nós uma espécie de fascínio, é por isso que parece útil estudar a capacidade do nosso pensamento actual em integrá-los, ou mesmo somente em entendê-los. Referir-se aos mitos significa mergulhar na memória histórica, na grande memória, aquela que tem a fonte, as raízes, a matriz do nosso presente e portanto do nosso futuro. Os mitos que dominam toda a nossa Antiguidade europeia e que, sob formas atenuadas ou mesmo desnaturadas, sobrevivem ainda no início da nossa era, estes mitos são-nos acessíveis ou são como esses sinos dos quais, sob a aparência material intacta, não saem senão alguns sons derisórios e falsos, sem correspondência nem com o seu belo aspecto exterior nem com a potência de vibração que continham em si?

I-O pensamento pelos mitos

A tentativa de conhecimento dos mitos pelo homem moderno não é, como todas as suas abordagens, mais que intelectual. O nosso pensamento, apesar das tentativas dos românticos do século passado, já só pode fazer apelo à razão para tentar compreender: tornámo-nos incapacitados. É outra coisa diferente que seria necessário para penetrar as profundezas de uma cultura onde a vitalidade e a força não se podem reduzir a uma análise cartesiana, a uma compreensão. Os mitos nos quais se exprimia este pensamento, esses, a nossa pobre razão, tão seca, não foi capaz de mais do que concebê-los como símbolos. Segundo os séculos, as ideologias, as modas, as escolas ou as disciplinas, os mitos tornaram-se a expressão de um simbolismo que não é na realidade mais que o reflexo de conceitos modernos: alguns viram neles a expressão de um inconsciente colectivo, outros deram aos mitos uma função social e gente muito séria viu mesmo nos mitos elementos das lutas de classes. É preciso, então, abordar o estudo da mitologia sem demasiadas ilusões e sabendo que somos, face a ela, como o visitante de um museu que está separado do objecto da sua admiração por um vidro que lhe interdita todo o contacto. Para ilustrar esta tentativa, tomemos o exemplo de um mito muito revelador, um mito profundamente enraizado na cultura grega ao longo da sua evolução e que, ademais, tem o interesse de ter passado parcialmente para a nossa cultura: o mito de Hércules.

O mito de Hércules

De origem puramente grega, e mais precisamente dórica, segundo fontes tão precisas quanto Walter Otto ou Wilamowitz, o seu culto espalha-se rapidamente em torno do mediterrâneo onde se enriquece de deuses locais que absorve. Tornar-se-á uma personalidade mitológica muito complexa, e a sua evolução no tempo é muito reveladora do duplo problema que nos preocupa: a percepção do mito e a evolução do pensamento.

Este semideus, nascido dos amores de Zeus e Alcmena, uma mortal, será ao longo de toda a sua vida terrestre perseguido pelo ódio de Hera, esposa enganada de Zeus. A ele faltar-lhe-á sempre essa parte divina, essa “parte de Hera” que o impedirá de ser totalmente um deus. A sua vida, marcada por provações, é célebre pelos seus Doze Trabalhos, mas está longe de ser exemplar. Este herói tem fraquezas, enlouquecido por Hera, ele comete crimes (mata a sua primeira esposa, princesa Mégara, como os seus três filhos, de onde a purificação desta infâmia pelos Trabalhos, sendo que nenhum seria à partida possível de cumprir), abandona-se durante um ano aos pés de Onfales, rainha da Lídia, vago mito da encarnação do umbigo (omphalos) do mundo. Este semideus, à vez possante, louco, protector dos fracos, curandeiro (é por vezes associado a Esculápio), criminoso, é muito representativo da mentalidade grega para a qual o bem e o mal estão intimamente ligados; a idade moderna só conhece heróis totalmente bons, mas nos gregos, se lhes amputamos o mal é a vida que lhes suprimimos, porque ela é um todo onde o que é bom e o que é mau está de tal modo imbricado que é indissociável e necessário um ao outro. Um grego antigo não se atormenta por prestar culto a um herói que, para lá das suas qualidades, é um bêbado, um debochado, um homicida. A divindade não é, então, percepcionada como na nossa civilização presente, onde não é mais que um elemento religioso, mas antes como um elo entre o mundo divino e o mundo natural no qual ela se comporta de modo que nos é muito próximo. Uma tradição onde também existe a divindade ctoniana, isto é, associada à estância dos mortos. Mas a terra, essa estância dos mortos, é, ao mesmo tempo, a terra fecunda, portadora de frutos e colheitas: ali, novamente, coexiste o bom e o mau, como a vida e a morte.

O racionalismo moderno não pode apreender a essência dos mitos

Os mitos deste período chegam-nos pela poesia épica, género que provém da arte, da história e da religião, mas também pelo conhecimento dos cultos. Se, como acabámos de ver, não penetramos os mitos e não temos deles mais que um conhecimento externo, o mesmo vale para os cultos que, talvez ainda mais que os mitos, passaram nos nossos dias pelo filtro do racionalismo e do funcionalismo. Portanto, vários estudiosos, a maior parte alemães, viram e denunciaram a nossa incapacidade. Depois de Hölderlin, Walter Otto será o mais brilhante crítico das interpretações modernas. Cita como exemplo um muito velho rito de purificação que consistia em passear um ou dois homens pela cidade e em matá-los depois fora desta, destruindo completamente os seus cadáveres. Depois deste exemplo, Walter Otto (in Dyonisos, Mythe et Culte) reproduz a interpretação moderna típica que, naturalmente, procura a finalidade prática do rito:” Depois de ter absorvido todos os miasmas da Cidade, era morto e queimado, exactamente como se limpa uma mesa suja com uma esponja que jogamos fora depois”. E Otto sublinha “ a desproporção entre o acto em si e a intenção que lhe atribuímos”. Este exemplo é característico do impasse no qual nos encontramos para apreender um pensamento que se manifesta através de mitos e ritos que somos incapazes de comentar sem ser com um vocabulário submetido à razão, ao espírito de causalidade, ao espírito prático, ao nosso “espírito cinzento e desencantado”.

Os gregos vão lutar contra a sua natureza e proteger-se do fundo trágico da existência através da cortina apolínea, a serenidade. Esta Grécia, diz-nos Nietzsche, a do equilíbrio entre o dionisíaco e o apolíneo, a da tragédia, encerra os seus mistérios como a do período dito arcaico. Ela dura pouco, 80 anos aproximadamente, e tem um brilho tal que não pode sobreviver por muito tempo. Entretanto, o pensamento vai evoluir e começar uma viragem que se revelará ser uma verdadeira ruptura, um pensamento que apreenderemos muito melhor porque abriu caminho ao pensamento moderno.

II-O pensamento pelas ideias

Se conhecemos o lugar privilegiado que Nietzsche atribui à música face às outras artes, porque emanando directamente da fonte, do instinto vital, não nos espantaremos com as violentas críticas que o filósofo alemão proferirá em relação a Sócrates, “o homem que não sabe cantar”. Sócrates vai privilegiar a consciência e a lucidez em relação ao instinto. Ele é o homem não místico; Nietzsche dirá: “o homem teórico”. Com efeito, Sócrates, o primeiro, vai permitir-se contemplar os mitos, concebê-los diferentemente do pensamento tradicional. O mito, de carnal e complexo, vai dirigir-se para a simplificação e a abstracção. Mais ainda, é o início de uma racionalização, de uma explicação. Em “Fedro”, de Platão, um diálogo entre Fedro e Sócrates é muito revelador do estado de espírito deste último. Evocando o mito no qual Oréstia é raptada por Bóreas, Fedro interroga:” Mas diz-me Sócrates, acreditas que esta aventura mitológica aconteceu realmente?”. E Sócrates responde:” Mas se eu duvidasse, como os sábios, não haveria lugar a espanto”. Sócrates explica que o sopro de Bóreas (o vento) provocou a queda de Oréstia, que morreu. Aí está, talvez, o primeiro argumento racional destinado a se substituir a um elemento mitológico. Vemo-lo aqui, este pensamento é muito moderno e muito acessível à nossa compreensão. Sócrates e Platão vão fazer evoluir os mitos, e do conhecimento instintivo deslizamos para o conhecimento racional. Não aceitamos mais o sentido místico do mundo que vai ser devorado pela lógica.

Os mitos não serão, contudo, abandonados: vão evoluir, à vez na maneira como são entendidos e na sua própria forma. É tempo aqui de retomar o mito de Hércules que deixámos na primeira parte desta exposição, em toda a força e potência ambíguas de um ser meio-divino, meio-humano, com a sua força sobre-humana, os seus deboches e as suas paixões desmesuradas. Depois de Sófocles, que em “As Traquínias”, faz dele um ser brutal e sem fineza, Hércules não parará de evoluir rumo a um tipo ideal. O período helenístico mostrá-lo-á como uma divindade civilizadora em que os seus Trabalhos são transformados em provas de utilidade pública, torna-se um benfeitor da humanidade ao serviço do bem. Os filósofos (cínicos e estóicos) vão exaltar o carácter altamente moral da aceitação voluntária dos sofrimentos que marcam a sua vida: ele aceita livremente o sacrifício, sacrifica-se pela humanidade. O seu nome é invocado nas situações difíceis (chamam-lhe “Alexikakos”, o afugentador de males) e torna-se o “herói” por excelência. Muito grego mas muito popular, passará para Roma onde sofrerá a mesma depuração que na Grécia. Este Hércules idealizado não terá dificuldade em sobreviver parcialmente na personagem de um outro semideus, purificador da terra e salvador da humanidade, o Cristo.

A racionalização é o prelúdio da moralização

Entretanto, o mito purificado desencarna-se cada vez mais e caminha rumo à idealização, à abstracção. Afastando-se do mundo, as divindades, deuses e heróis, tornam-se ideias, conceitos, absolutos. Assim, eles moralizam-se e a moralização surge-nos como o corolário inevitável do absoluto. Platão vai rejeitar o lado humano e recusar o que chamará ”mentiras de poetas”, e os deuses, pouco a pouco, recolher-se-ão sabiamente ao Olimpo, numa virtude exemplar que convida tanto à imitação como ao tédio. Invocando o mundo das ideias Platão abriu a porta a um mundo onde o Bem e o Mal se combatem: o mal é o mundo do instinto, do irracional, simbolizado em Platão pelo cavalo negro; o bem é o mundo da vontade, da temperança, simbolizado pelo cavalo branco; os dois cavalos são conduzidos pelo cocheiro: a razão. Este carro simboliza a alma humana que, vemo-lo, hierarquiza os seus dois componentes. O instinto, desde aí, não deixará de ser desprezado e a razão glorificada. O mito morrerá, esse magnífico vínculo que os homens haviam construído para ligar os seus deuses à condição humana, ao mundo natural; esse vínculo é doravante destruído, para sempre sacrificado por alguns homens orgulhosos de serem menos ingénuos, sobre o altar do que Heidegger chama, com graça, “o pensamento calculante”.

É preciso abandonar a esperança de renovar com os mitos fundadores, sob a sua forma original. Esta empreitada conduziria, ademais, a uma folclorização análoga à que vemos florescer nas aldeias onde, sob instigação de sindicatos de iniciativa, ranchos tradicionais alternam tristemente com majoretes. Contudo, sabemos que as civilizações morrem: a nossa, porque se apoia sobre a técnica, é mais frágil que outras. Um dia teremos necessidade de nos lembrarmos, deveremos fazer apelo a essa memória profunda afim de que, do caos, ressurja a vida que nasce do Eterno Retorno. Os velhos mitos serão transformados, darão nascimento a outros, graças à benevolência daquela a quem nunca cessámos de prestar culto: Mnemósine, deusa da memória e mãe das Musas. Então reapropriaremos a criação, a poesia, que os homens do nosso sangue nunca deveriam ter abandonado, deixando aos povos que nunca nada conseguiram criar os malefícios de uma razão especulativa que nos contaminou demasiado. Com a força das origens, forjaremos novos mitos para novas primaveras.

Catherine Salvisberg, VOULOIR n°56/58, 1989

Em Destaque

-Informação alternativa e nacionalista é na Altermedia;

-Um dos melhores blogs nacionais, com traduções, recensões e originais sempre de qualidade:Nonas. Inigualável o resgate que faz, constantemente, de alguns vultos esquecidos e/ou proibidos da cultura portuguesa e europeia.

– Para estes dispensam-se elogios:Causa Nacional

– Ironia cortante em tempos de distopia reinante:Feio, Porco e Mau ( pelo menos é assim que se apresenta).

– Um arquivo com inúmeras obras proibidas para download integral e em diferentes línguas:Biblioteca Thule

E perguntam vocês, amiguinhos, porquê estes e não outros? Talvez porque todos fazem um trabalho interessante, cada um a seu modo, e todos me parecem, por vezes, pouco divulgados. Da próxima serão outros.E por hoje é tudo…amanhã há mais, ou no domingo, ou por aí, logo se vê…

Os nazis de carnaval são nostálgicos de um mundo que desconhecem

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“Les Nostalgiques” (Os Nostálgicos) foi o título de um livro do romancista Saint-Loup. Descobríamos ali algumas figuras que depois de terem participado na derradeira guerra no campo dos vencidos não procuravam, bem pelo contrário, esquecer as pulsões da sua juventude.

Os que tinham 20 anos em 1943 são hoje septuagenários. Não são “neo-nazis” mas antigos combatentes sem bandeira nem medalhas que recusam esquecer os seus camaradas tombados na Pomerânia ou em Berlim. Como poderiam eles reconhecer-se nas provocações de jovens de cabeça rapada que reivindicam um mundo do qual conhecem apenas o que contam os media empenhados na caça à Besta imunda?

…O neo-nazi faz parte da paisagem audiovisual. Assemelha-se na perfeição ao que querem que seja, estúpido e mau.

Muito estúpido e muito mau. E sempre igual a si mesmo, como um clone perfeito do Diabo tornado diabrete. Antes da guerra as grandes lojas propunham para as festas de “máscaras”: os rapazes disfarçavam-se de pele-vermelha e as raparigas de enfermeiras. Este divertimento desapareceu, como os álbuns de recortes e os soldadinhos de chumbo. Hoje, a única máscara que ainda faz sucesso no mercado é a do “neo-nazi”, modelo internacional, para o qual a imprensa assegura gratuitamente a promoção.

Se damos alguma importância aos símbolos e às imagens não podemos senão ficar chocados por esses detalhes nos neo-nazis, muito pouco aceitáveis no regime de que se dizem seguidores.

Logo à partida, a inevitável cabeça rapada. Era então característica dos prisioneiros mais do que dos seus captores, cujo corte de cabelo característico era “ curto nos lados e mais longo em cima”, muito diferente do corte à moda no exército francês. A cabeça rapada evoca muito mais os Marines do que as Waffen SS…

…Há sempre gente que acredita que o hábito faz o monge e a camisa o fascista, sobretudo se realçada por alguma braçadeira. Assim nasceu o que era apenas mau folclore.

À medida que este folclore de vestuário desaparecia para sobreviver penosamente nalguns grupelhos esqueléticos, viveiros indispensáveis para os provocadores e os delatores, vimos aparecer uma nova moda. Ela não nos surgiu do outro lado do Reno, mas do outro lado da Mancha e apresenta o nome de “skinheads”, “carecas” ou, se preferimos, cabeças rapadas…

Dos skins aos neo-nazis é um pequeno passo, ou talvez um gesto, o braço estendido e o outro punho cerrado sobre a caneca de cerveja. Já que os alemães berram nos filmes, berramos também. Yeah e Heil, ou outra coisa qualquer. O essencial é escandalizar o sistema e enfrentar a polícia. Diga-se a uma criança para não tocar nas guloseimas. Ela não terá descanso enquanto não encontrar um escadote e tiver vasculhado a última prateleira do armário proibido.

A moda dos skinheads revelar-se-á rapidamente, ao contrário do que dizia Mussolini do fascismo, um artigo de exportação. Uma vez cruzado o Canal da Mancha o público dos estádios franceses é contagiado. Mas o que são algumas centenas de skinheads franceses ao pé dos milhares de alemães que iam reforçar os grandes batalhões do movimento sobre o Continente?

Ignoramos demasiadamente o fascínio que sentem os alemães pelos britânicos. Havia no III Reich uma nostalgia secreta do império vitoriano e do grande mito racista do homem branco reinando sobre os sete mares do mundo. Ao desabrochar sobre o Continente a moda skin não podia senão atrair inúmeros jovens teutónicos sem respeitabilidade.

A atracção irreprimível pelo mal absoluto

Os skinheads britânicos forneceram-lhes, mais do que imaginamos, os seus farrapos, as suas músicas, a sua brutalidade. Tudo é anglo-saxónico no background cultural dos agitadores que nos mostra a televisão. Eles não copiam os seus antepassados mas a imagem que deles deu a propaganda antifascista, não são as SA do capitão Rohm mas as SA de Rohm vistas por Visconti em “Os Deuses Malditos”, ainda mais pervertidas do que os fuzilados de 30 de Junho de 1934!…

O destaque dado pelos media aos grupelhos mais folclóricos contribui largamente para multiplicar os actos de violência que se encadeiam por mórbido contágio, na atracção irreprimível pelo mal absoluto, tanto mais atraente quanto mais incansavelmente denunciado.

Jean Mabire , Le Choc du Mois, juillet-août 1993, N°66