O Estado subsidiário – nem liberalismo nem socialismo
Na sua obra maior, intitulada «L’Etat subsidiaire » (PUF, 1992), Chantal Delsol escreve:
«A História política, económica e social da Europa nestes dois últimos séculos encontra-se largamente dominada por uma questão maior: a do papel do Estado. Os países europeus oscilam do liberalismo ao socialismo, ou inversamente, em idas e vindas que traduzem a incapacidade, não de resolver mas de dominar esta questão primordial. A sedução exercida pelo marxismo e pelo socialismo estatista sobre as opiniões ocidentais até estes últimos anos explica-se em parte pela convicção, largamente partilhada, que não existiria alternativa ao liberalismo senão o estatismo. Os defensores da democracia pluralista inquietam-se por ver o desenvolvimento dos “direitos-crédito” gerar o dirigismo e colocar em causa, inexoravelmente, os “direitos-liberdade” que se procuravam concretizar. A ampliação do Estado-providência deixa acreditar num processo fatal tendendo progressivamente a negar a própria democracia.
A ideia de subsidiariedade situa-se nesta problemática inquietante. Ela procura ultrapassar a alternativa entre o liberalismo clássico e o socialismo centralizador, colocando diferentemente a questão político-social. Legitima filosoficamente os “direitos-liberdade” e regressa às fontes dos “direitos-adquiridos” que terão sido desviados da sua justificação primeira. Chega a um acordo viável entre uma política social e um Estado descentralizado, pela reunião paradoxal de duas renúncias: abandona o igualitarismo socialista em benefício da dignidade, e abandona o individualismo filosófico em benefício de uma sociedade estruturada e federada».
A ideia de subsidiariedade é estranha ao liberalismo filosófico porque é estranha ao individualismo e faz parte do pensamento organicista, em vez de considerar a humanidade como uma justaposição de indivíduos egoístas e libertos de toda a filiação colectiva, pensa os homens enquanto pessoas inseridas em comunidade orgânicas (famílias, corporações, comunas, cantões…).
Deste ponto de vista está muito afastada do individualismo que prevalece nas sociedades ocidentais, a sua adaptação nas nossas sociedades não se faz espontaneamente e necessita pelo menos de um regresso dos valores comunitários, isto é, da noção de deveres das pessoas face às comunidades nas quais estão inseridas.
A fim de permitir esta adaptação e de tomar em consideração o imperativo moderno do respeito pelas liberdades pessoais, é preciso, sem dúvida, completar o pensamento de Althusius, que é herdeiro do pensamento medieval, pela noção de autonomia da pessoa, esta última sendo então considerada como elemento de base da sociedade, titular de liberdades e de direitos mas também de deveres em relação às outras pessoas e às diferente comunidades nas quais se insere organicamente.
A ideia de subsidiariedade é igualmente estranha ao socialismo e ao Estado-providência porque confia nas pessoas e nas comunidades constitutivas do Estado no que concerne à produção e à distribuição de bens e serviços, por um lado, e para a organização destas comunidades por outro lado. Ignora o igualitarismo (que associa a falsa ideia de igualdade natural à vontade estatista de igualizar as qualidades e os bens das pessoas), aprova a livre expressão dos talentos e recusa a ideia de um Estado que se substitui às pessoas, às famílias e a todos os corpos intermédios.
Para atenuar os desequilíbrios que podiam resultar do exercício das liberdades individuais e comunitárias, os pensadores subsidiaristas incluíram na sua doutrina o imperativo de solidariedade (entre as pessoas, de uma parte, entre as comunidades intra-estatais e as pessoas, de outra parte, entre as comunidades intra-estatais, por fim.
Subsidiariedade, absolutismo, jacobinismo, bolchevismo e fascismo
O princípio de subsidiariedade opõe-se ao absolutismo monárquico (ou partidocrático, oligárquico…) porque considera que a sociedade e as suas componentes associadas prevalecem sobre o Estado, que retira o seu poder destas últimas e que deve limitar a sua acção às únicas prerrogativas delegadas por elas. Assenta na ideia de que a sociedade precede cronologicamente o Estado, que este último é uma criação da sociedade com vista a satisfazer as suas insuficiências e não o contrário. Por outro lado, o princípio de subsidiariedade interdita a concentração de competências e de soberania somente no Estado.
O Estado subsidiário partilha a soberania e as competências com as diferentes componentes da sociedade.
Vimos que Althusius contestava a posição de Bodin, o teórico da monarquia absoluta; e teria com certeza contestado o poder jacobino que mais não fez que transferir a soberania aboluta do monarca para a nação cuja «vontade geral» é expressa pelos representantes. A ditadura da vontade geral ( essa pretensa vontade geral é uma abstracção como gostavam os pensadores de 1973) não comporta nenhuma delegação de competências nem nenhuma partilha de soberania, duzentos anos depois esta vontade geral tornou-se a vontade de uma medíocre oligarquia partidocrática muito ciosa das suas prerrogativas e segura de expressar a dita vontade geral, para nossa maior desgraça.
O princípio de subsidiariedade é em total contradição, bem entendido, com o bolchevismo, sob todas as suas formas, que fez de um partido comunista considerado vanguarda do proletariado o único detentor da autoridade, da soberania e da competência; o pseudo-federalismo soviético nunca foi o quadro de uma devolução real de soberania ou de competência.
É também totalmente estranho ao fascismo, que fez do Estado o centro da sociedade e que queria integrar a totalidade da sociedade no seu seio, mal deixando autonomia às famílias que eram, elas também, mobilizadas pelo Estado e para o Estado.
No caso do hitlerismo houve claramente uma liquidação do longo passado subsidiarista da Alemanha (supressão dos parlamentos regionais) para além da mobilização do conjunto do povo ao serviço do Estado total.