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Sobre a propaganda – Um texto essencial

A somar a um certo nível de vida, outra condição tem de ser alcançada: para o homem ser devidamente alvo de propaganda, ele precisa de ter um mínimo de cultura. A propaganda não consegue ter êxito onde as pessoas não têm registo de cultura ocidental. Não estamos a falar de inteligência; algumas tribos primitivas serão seguramente inteligentes, mas têm uma inteligência estranha aos nossos conceitos e costumes. É necessária uma base – por exemplo, educação: um homem que não sabe ler facilmente escapará à maioria da propaganda, tal como um homem que não está interessando em ler. As pessoas costumavam pensar que aprender a ler evidenciava o progresso humano, ainda celebram o declínio da iliteracia como uma grande vitória, condenam-se países com uma grande percentagem de analfabetos, pensa-se que saber ler é uma estrada para a liberdade. Tudo isto é discutível, porque o importante não é ser capaz de ler, mas perceber o que se lê, reflectir e fazer um julgamento sobre o que se lê. Fora disso, ler não tem qualquer significado (e até destrói certas qualidades automáticas de memória e observação). Mas falar de faculdades críticas e discernimento é falar de algo muito acima da educação elementar e considerar uma minoria muito pequena. A vasta maioria das pessoas, talvez 90%, sabem ler, mas não exercitam a sua inteligência para além disso. Atribuem autoridade e valor eminente ao que é publicado, ou, inversamente, rejeitam-no totalmente. Como estas pessoas não possuem conhecimento suficiente para reflectir e discernir, acreditam – ou descrêem totalmente no que lêem. E como essas pessoas escolherão a leitura mais fácil estão precisamente no nível em que a palavra publicada os consegue agarrar e convencer sem oposição. Estão perfeitamente adaptados para a propaganda.

Não vamos dizer: “se lhes déssemos melhores leituras…”, “se estas pessoas recebessem uma melhor educação…”. Tal argumento não tem validade porque as coisas não são assim. Não vamos também dizer:”Isto é apenas a primeira fase, em breve a sua educação será melhor, é preciso começar por algum lado”. Primeiro, é preciso muito tempo para passar da primeira para a segunda fase. Em França a primeira fase foi alcançada há meio século atrás e ainda estamos muito longe de atingir a segunda fase. Mas há mais, infelizmente. Esta primeira fase colocou o homem ao dispor da propaganda. Antes de poder passar para a segunda fase, ele vai encontrar-se num universo de propaganda. Ele vai ser formado, adaptado, integrado. É por isto que o desenvolvimento da cultura, na URSS, pôde ser feito sem perigo. Pode atingir-se um nível cultural mais alto sem deixar de ser um receptáculo da propaganda desde que se fosse um receptáculo da propaganda antes de adquirir faculdades críticas, e desde que essa mesma cultura esteja integrada no universo da propaganda. Na verdade, o resultado mais evidente da educação elementar nos séculos XIX e XX foi tornar o indivíduo susceptível à superpropaganda (1). Não há qualquer possibilidade de elevar o nível intelectual das populações ocidentais suficientemente e tão rapidamente de forma a permitir-lhes escapar ao processo de propaganda. As técnicas de propaganda avançaram muito mais rapidamente do que as capacidades de raciocínio do homem comum, de tal forma que diminuir essa distância e formar esse homem fora do mecanismo de propaganda é quase impossível. Na realidade, o que acontece e o que vemos em nossa volta é a reivindicação de que a própria propaganda é a nossa cultura e que as massas devem aprender. Apenas dentro e através da propaganda é que as massas têm acesso à economia, política, arte ou literatura. A educação elementar torna possível penetrar no reino da propaganda, dentro do qual as pessoas recebem depois a sua formação intelectual e cultural.

O homem inculto não pode ser atingido pela propaganda. A experiência e a investigação feita pelos alemães entre 1933 e 1938 mostrou que nas áreas remotas, onde as pessoas mal sabiam ler, a propaganda não tinha qualquer efeito. O mesmo é verdade para o enorme esforço feito pelo mundo comunista para ensinar as pessoas a ler. […]

Um dos métodos de propaganda mais eficazes na Ásia comunista foi estabelecer professores para ensinar a ler e doutrinar as pessoas ao mesmo tempo. O prestígio do intelectual – “marcado com o dedo de Deus” – permitiu que afirmações políticas aparecessem como verdades, enquanto o prestigio da palavra publicada, que se havia aprendido a decifrar, confirmava a validade do que os professores haviam dito. Estes factos não deixam margem para dúvidas de que o desenvolvimento de uma educação elementar é uma condição fundamental para a organização da propaganda, ainda que uma tal conclusão seja contrária a muitos preconceitos, melhor expressos pelas palavras pungentes mas totalmente irrealistas de Paul Rivet: “uma pessoa que não sabe ler um jornal não é livre”.

Esta necessidade de um certo nível cultural para tornar as pessoas susceptíveis à propaganda (2) é melhor entendida se olharmos para um dos instrumentos mais importantes da propaganda: a manipulação de símbolos. Quanto mais um indivíduo participa na sociedade de que faz parte, mais se agarrará a símbolos estereotipados que expressam conceitos colectivos sobre o passado e o futuro do seu grupo. Quanto mais estereótipos numa cultura, mais fácil formar a opinião pública, e quanto mais um indivíduo participa nessa cultura, mais susceptível se torna à manipulação desses símbolos. O número de campanhas de propaganda no Ocidente que primeiro conquistaram sectores cultos é impressionante. Isto não é apenas verdade para a propaganda doutrinaria, que é baseada em factos exactos e actua ao nível das pessoas mais desenvolvidas, que têm um sentido de valores e sabem um bom bocado sobre realidades políticas, como, por exemplo, a propaganda sobre a injustiça do capitalismo, as crises económicas ou o colonialismo; é normal que as pessoas com mais educação (os intelectuais) sejam os primeiros a ser atingidos por essa propaganda…tudo isto corre em sentido contrário às noções de que apenas o público engole a propaganda. Naturalmente, o homem educado não acredita na propaganda; está convencido que a propaganda não tem qualquer efeito sobre ele. Esta é, na verdade, uma das suas grandes fraquezas, e os propagandistas estão bem cientes de que para chegarem a alguém, devem primeiro convencê-lo de que a propaganda é ineficiente e pouco clara. Por estar convencido da sua própria superioridade, o intelectual é mais vulnerável do que qualquer outra pessoa a esta manobra…

(1)Porque considerava o jornal o principal instrumento de propaganda, Lenine insistiu na necessidade de ensinar as pessoas a ler. Foi o chamariz da Nova Política Económica. A escola tornou-se o sítio para preparar os alunos para receberem propaganda.

(2)Temos também de considerar o facto de numa sociedade em que a propaganda – seja directa ou indirecta, consciente ou inconsciente – absorve todos os meios de comunicação ou educação (como era em 1960 em praticamente todas as sociedades) a propaganda forma a cultura e é, em certo sentido, a própria cultura. Quando os filmes e as novelas, os jornais e a televisão são instrumentos de propaganda política em sentido restrito ou no sentido das relações humanas (propaganda social), a cultura está perfeitamente integrada na propaganda; em consequência, quanto mais culto um homem é, mais propagandizado está. Aqui podemos observar também a ilusão idealista daqueles que esperam que meios de comunicação social criem uma cultura de massas. Essa “cultura” é simplesmente uma forma de destruir a personalidade.

Jacques Ellul, Propaganda: The Formation of Men’s Attitudes, pgs 108-111, 1973

Análise filosófico-política ao Real Madrid – Barcelona

Os jogos entre o Barcelona e o Real Madrid, para além de serem grandes espectáculos futebolísticos, extravasam essa dimensão meramente desportiva. O que se joga é um confronto entre duas concepções totalmente diferentes do mundo, entre éticas e estéticas diametralmente opostas. E mais uma vez, para nosso deleite, o Barcelona saiu vencedor, dentro e fora do jogo.

Antes de chegarmos a esse embate de mundivisões, mas igualmente interessante, é o confronto entre certas individualidades que representam um e outro lado, no caso concreto, a comparação entre Mourinho e Guardiola e Ronaldo e Messi.

Comecemos pelos treinadores…mais uma vez Guardiola não só saiu vencedor dentro de campo como fora dele. Aquilo que em Portugal nos habituaram a celebrar como “grandes jogadas psicológicas de Mourinho”, o “maior do mundo”, não passam frequentemente de provocações sujas, achincalhamento dos adversários, fruto de má formação, que aliás sobressai em todos os momentos importantes da carreira do indivíduo. Nas vésperas do jogo, enquanto Guardiola compareceu na conferência de imprensa para falar das equipas, Mourinho, esse génio dos “jogos mentais”, mandou um dos adjuntos falar aos jornalistas, como que dizendo que ele era demasiado importante para ir ali perder o seu tempo, e, ao mesmo tempo, procurando desvalorizar o jogo e o adversário. Se fora de campo deu uma lição de arrogância, dentro de campo foi o que se viu, levou uma lição de futebol. Infelizmente, e como era esperado, Mourinho, no final, não teve a hombridade e a humildade de reconhecer a superioridade do adversário ou do treinador rival, não! Segundo o “mestre dos jogos mentais” o Barcelona teve sorte! Pasme-se, o Real Madrid fez um golo nos primeiros segundos, num lance totalmente fortuito e que resultou de um azar do guarda-redes do Barcelona, que falhou um pontapé, e basicamente, desde aí, nunca mais tocou na bola… levou três golos como podia ter levado 5… e o outro é que teve sorte. Como não podia deixar de ser, e apesar da sua equipa ter dado porrada em tudo o que mexia ainda teve o desplante de vir dizer que o Messi deveria ter sido expulso. Nem sequer teve a capacidade de não falar numa arbitragem que não o prejudicou de forma alguma. Enfim, a habitual falta de classe a contrastar com a classe habitual de Pepe Guardiola.

E Ronaldo? Foi totalmente anulado pela equipa do Barcelona. A tal ponto que começou a ouvir assobios dos próprios adeptos do Madrid, no único estádio do mundo onde não era apupado. Do outro lado, Messi, esse sim o melhor jogador do mundo, deu novamente um show, foi decisivo e desequilibrou (juntamente com outros companheiros seus) a partida. Ronaldo é um bom jogador mas um insuportável fenómeno mediático, Messi é um jogador brilhante e um inacreditável fenómeno futebolístico. Não há comparação possível.

Mas deixemos então esses pequenos detalhes e cinjamo-nos ao que interessa: a dimensão colectiva daquela batalha encerra um confronto de ideias e de filosofias que vão muito para lá de um mero jogo de futebol.

Uma concepção enraizada e identitária contra uma concepção mercantilista e cosmopolita

O Barcelona é um clube que representa uma ética enraizada e identitária enquanto o Madrid representa uma concepção mercantilista e cosmopolita. A maior parte dos jogadores do Barcelona são formados nas escolas do clube e desde pequenos identificados com a cultura do Barça. São muito bem pagos, ou não fossem os melhores do mundo, mas sentem a cultura do Barça porque aquela é desde sempre a sua comunidade. O Madrid, pelo contrário, gasta fortunas a comprar os melhores jogadores que encontra em todas as partes do mundo, jogadores que não têm qualquer ligação ao clube mas sim aos salários astronómicos que os atraem para ali. O Madrid funciona como qualquer outra multinacional em qualquer outro negócio.

Note-se por exemplo que o Barcelona não teve publicidade paga nas suas camisolas durante 111 anos, e só em 2011 quebrou, para nosso desgosto, esse princípio. Ainda que preferíssemos que o Barça se tivesse mantido fiel a essa lógica não comercial, a verdade é que a mercantilização crescente do futebol e a necessidade do clube competir com equipas que recebiam valores astronómicas de publicidade acabou por levar a essa ruptura com a sua tradição. Mesmo assim, o patrocinador que foi aceite para as camisolas foi uma ONG, e, sendo uma boa proposta comercial, certamente não seria a melhor oferta em cima da mesa.

Servir o colectivo ou servir-se do colectivo

A outra diferença de monta na filosofia que os dois clubes representam, diz respeito à forma como as individualidades se relacionam com o colectivo.

O Barcelona poderá até ter o melhor jogador do mundo (Messi) e talvez aqueles que mais perto estarão dele (com destaque para Xavi e Iniesta), mas são os jogadores do Real Madrid que parecem ter mais “nome”. Isto resulta das diferenças de identidade entre as duas equipas. Enquanto que no Madrid, o colectivo conta com as suas vedetas para resolverem os jogos naqueles desequilíbrios e rasgos individuais que só os predestinados conseguem fazer, no Barça são as individualidades que contam com o colectivo para ganhar os jogos. Os grandes jogadores do Barca, jogam para o colectivo, sacrificam-se pela equipa, são menos individualistas e menos egoístas, jogam mais em conjunto, é a força do colectivo que sobressai. No Real é o contrário, há mais individualismo, todos aspiram a ser a vedeta da noite, o colectivo está ali para fazê-los sobressair a elas, as grandes individualidades. No Barça, os melhores servem o colectivo e é o colectivo que mais ganha, no Real, os melhores servem-se do colectivo e é o seu vedetismo que mais ganha.

A Fidelidade a princípios contra a lógica dos meios que justificam os fins

O que também se observou ontem, uma vez mais, é que o Barça é um clube fiel a princípios, mesmo se esses princípios parecem vencidos. O Barça nunca renega o seu estilo. Isto é patente no facto do Barcelona jogar sempre, em todos os campos e sejam quais forem as circunstâncias, com os mesmos princípios e valores, aqueles em que acredita e que defende. O Barcelona não mudou a sua estratégia por ir jogar ao estádio mais difícil do planeta, e não mudou a sua forma de actuar quando, com poucos segundos de jogo e nesse mesmo estádio adverso, se encontrou a perder. No Barça não se trata apenas de ganhar, mas sim de ganhar a jogar de uma determinada maneira, ou então de sair derrotado mas a jogar assim!

O Real, pelo contrário, adapta a sua estratégia e os seus princípios às circunstâncias. Jogam da forma que acham que lhes permitirá vencer, seja ela qual for e implique o que implicar, mesmo a negação dos seus princípios de jogo mais habituais. No Real os fins justificam os meios, o que interessa é ganhar, seja a jogar como for. O Madrid adapta o seu jogo ao adversário e às situações. Foi o que tentou fazer ontem, alterando, uma vez mais, o seu desenho táctico e a sua estratégia.

No final, o Barcelona poderá até perder o campeonato, mas uma coisa é certa, permanecerá fiel aos seus princípios, mesmo se derrotados. A honra do Barcelona chama-se fidelidade.

Devaneios feministas

Um em cada três alunos do MBA da AESE é uma mulher. Esta é uma tendência que se tem registado nos últimos anos e que mostra uma clara aposta na formação por parte das mulheres, que querem progredir num mercado de trabalho ainda dominado pela presença masculina.

“A tendência para que os homens em cargos de direcção sejam cada vez mais substituídos por senhoras, num número cada vez maior de profissões, irá manter-se nos próximos anos”, acredita José Pinto dos Santos, professor de Finanças e director executivo do 12º Executive MBA AESE/IESE, que terá início no próximo ano. O professor especula também se esta nova tendência não irá causar uma alteração nos “paradigmas tradicionais de direcção” ou se não estarão para chegar novos modelos de liderança, “com soluções diferentes, mais eficazes e criativas”.
Diário Económico, 20-11-2011

A ideia de que a liderança feminina traz soluções “mais eficazes e criativas” é uma daquelas imbecilidades que resultam das doutrinas feministas modernas e da necessidade de expiação de culpa de alguns homens.

Há alguma prova de que as mulheres sejam mais “eficazes” do que os homens, seja lá isso o que for? E mais criativas? Arriscaria mesmo a dizer que se fosse necessário hierarquizar a capacidade criativa de homens e mulheres o sexo masculino sairia a ganhar. A predisposição dos homens para a ruptura de paradigmas ou a revolução é francamente superior à das mulheres, que de resto se distinguem, comparativamente ao género masculino, por uma maior aceitação dos paradigmas vigentes, sejam eles quais forem. As mulheres são indiscutivelmente mais propensas a cumprir as regras, a seguir a “lei”, a acatar a ordem instituída, do que os homens. Aliás, nas profissões onde mais se exige talento criativo e artístico, os homens tendem a superar as mulheres.

Se quisermos ir mais longe afirmaremos que é fantasioso e sem sustentação dizer que as mulheres trarão novos paradigmas de liderança. Para além das abstracções teóricas saídas das cartilhas politicamente correctas, não há qualquer prova real de que isso seja verdade, muito pelo contrário. O que a experiência nos tem revelado é que as mulheres não alteram substancialmente os modelos de liderança, antes lideraram de acordo com o que os modelos de liderança preexistentes lhes impõem. Elas não mudam o paradigma, reforçam-no.

jogo de espelhos

Três conselhos apenas…

Mas Ega entendia que o Sr. Afonso da Maia devia descer à arena, lançar também a palavra do seu saber e da sua experiência. Então o velho riu. O quê! Compor prosa, ele, que hesitava para traçar uma carta ao feitor? De resto, o que teria a dizer ao seu país, como fruto da sua experiência, reduzia-se pobremente a três conselhos, em três frases — aos políticos: «menos liberalismo e mais carácter»; aos homens de letras: «menos eloquência e mais ideia»; aos cidadãos em geral: — «menos progresso e mais moral».

Eça de Queiroz, Os Maias

Algures, sob o arco-íris…

«Desejar sexo com o seu parceiro era uma das coisas (está bem, a principal coisa) de que ela havia abdicado em troca de todas as coisas boas da sua vida em conjunto. Walter tinha tentado tudo o que lhe ocorrera para tornar o sexo mais gratificante para ela excepto a única coisa que poderia ter resultado: parar de se preocupar em fazê-lo melhor para ela e simplesmente dobrá-la sobre a mesa da cozinha, numa noite qualquer, e possuí-la por detrás. Mas o Walter que poderia ter feito isto não teria sido o Walter.»

Jonathan Franzen, in Freedom

A arte(?) ideológica contemporânea

A arte tradicional, na maior parte dos países, representa geralmente os quatro temas que constituem, segundo Heidegger, o “mundo” dos homens.

A divindade, os homens, a natureza, o ideal

Quando a arte representa a divindade: é o caso da arte grega clássica que tanto marcou a nossa. É o caso da arte da Idade Média, principalmente religiosa. A arte religiosa constitui a maioria das obras-primas apresentadas nos nossos museus de arte antiga. A arte que representa o Buda pertence também a essa categoria. O Islão recusa-se a representar deus mas os versos do Corão são representados de maneira decorativa.

Quando a arte representa os homens: é nomeadamente o caso da arte do retrato. O rosto humano é representado não somente nas telas mas também nos monumentos e sob a forma de esculturas. No cristianismo a representação de Deus e a representação dos homens convergem frequentemente, porque Deus encarna num homem, o Cristo. Mas o retrato pode também representar um rei, um guerreiro, um simples camponês, mulheres ou crianças.

A arte pode também representar a natureza, a terra que conduz os homens. É a arte paisagista. No século XIX a arte paisagista ganhou uma conotação patriótica. Mas a arte patriótica é mais antiga do que isso.

A arte representa, por fim, o ideal, os ideais da sociedade. Representamos nos nossos monumentos nacionais uma mulher que simboliza a justiça, a bravura ou a caridade. Algumas cenas podem representar batalhas, a caridade aos pobres, cenas realistas mas onde se encarna um ideal na acção.

Estas artes não são ideológicas, no sentido das ideologias modernas. Dizer que a arte cristã é ideológica seria abusivo.

Ideologias modernas e destruição das formas de arte da tradição

Mas as ideologias modernas destruíram, a pouco e pouco, as formas de arte saídas da tradição e que representavam o mundo dos homens, sobre a terra, sob o céu e perante a divindade. A arte do Gestell (sistema utilitarista que controla os homens ao seu serviço), para utilizar este conceito de Heidegger, destrói tudo aquilo que não se enquadra na sua lógica utilitária.

Deus deixa de ser representado porque passa a ser associado à superstição. A arte ideológica oficial elimina toda a forma de herança religiosa e de transcendência. Ela será por vezes blasfema (veja-se o “Piss Christ”, por exemplo), para chocar, porque o escândalo é mediático e isso vende.

O ideal passa a ser considerado como um utensílio da repressão, em conformidade com as ideias dos falsos profetas Marx e Freud. É por isso evacuado sem cerimónias.O homem deixa de ser representado porque são as massas que passam a ser louvadas, e as particularidades do indivíduo, da sua classe, da sua profissão, da sua raça, passam a ser coisas irritantes que é preciso fazer esquecer para que os homens se tornem perfeitamente permutáveis no processo económico e social. A paisagem, a natureza, desaparecem porque representam elementos de enraizamento do homem na sua terra.

A arte contemporânea: inumana, abstracta e desencarnada

A arte contemporânea, que se tornou a arte oficial obrigatória (vejam-se as paredes dos ministérios, das câmaras e dos edifícios oficiais) obedece a estes imperativos ideológicos. Já não deve representar o mundo tradicional.

Rompe deliberadamente com a herança religiosa e humanista da nossa civilização. É uma arte de ruptura revolucionária.

É abstracta e desencarnada porque rejeita toda a forma de enraizamento. Não encarna nenhum ideal, em nome de um subjectivismo total. A sua tendência dominante é representar, se é que ainda representa alguma coisa, o mundo quotidiano naquilo que tem de mais insignificante, utilitário ou prosaico. Frequentemente, quer-se chocante, porque ao chocar, atrai a atenção dos Media e dos financiamentos oligárquicos.

Esta arte é inumana no sentido próprio do termo, já que nunca representa a figura humana, e se a representa, é para a desfigurar o mais possível: como escreveu Salvador Dali, “um homem normal não tem vontade de sair com as meninas de Avinhão de Picasso”(ver o seu livro “Les cocus du vieil art moderne”).

A arte moderna: uma arte autoritária que interdita toda a forma de crítica

Por fim, esta arte inumana ou desumana é de natureza profundamente autoritária, como é, na essência, toda a ideologia. Esta arte estende-se para todo o lado. Interdita toda a forma de crítica, que é menosprezada, senão mesmo diabolizada com violência. O bom conformista não ousará nunca assumir que não gosta de uma celebrada obra dita contemporânea. Esta arte autoritária é irresponsável porque não responde ao pedido de um rei, de um burguês ou de um príncipe da Igreja, como antigamente. Ela pode responde à procura de uma burocracia anónima: Façam um fresco para as entradas dos nossos escritórios. Ademais, esta arte contemporânea é tão sustentada pelos poderes públicos como pelas pessoas privadas. É frequentemente financiada pelo imposto, isto é, pela força, o que acentua ainda mais o seu carácter autoritário.

Arte desenraizada, ideológica, inumana e autoritária, é objecto de uma propaganda mediática constante. Reflecte o inchamento do ego do artista, que pensa substituir-se ao Deus criador, favorece as especulações financeiras e é o dinheiro, frequentemente, o seu único imperativo categórico; é desenraizada, como a ideologia, porque quer ter uma vocação universal. Esta arte ideológica dificilmente tem a preferência do povo, supostamente inculto, mas é venerada pela oligarquia dominante.

A arte contemporânea versus a arte tradicional humanista e enraizada

A ideologia da arte oficial emprega o seu dinamismo em torno a quatro pólos:

O dinheiro
O ego
Os Media
Abstracção (negação das raízes)

A arte tradicional, que sobrevive nomeadamente na Rússia (São Petersburgo tem hoje em dia a maior escola de arte figurativa) e nalguns meios dissidentes no Ocidente, pode ser representada pelo esquema seguinte:

Ideal (o Bem, o Belo)
Divindade
Os homens
Natureza

A arte tradicional é humanista e enraizada, tem na maior parte do tempo uma dimensão espiritual ou idealista afim de direccionar o homem para o alto. A arte ideológica, dita contemporânea, e que parece ter o seu centro em Nova Iorque, despreza Deus e os homens para estabelecer o ego e o dinheiro, os seus fetiches, como motores do seu dispositivo autoritário. Esta arte ideológica, frequentemente financiada pela força (o imposto) não é nem humanista nem democrática, contrariamente ao discurso dos seus promotores: estamos, sim, perante uma arte ideológica oficial.

Yvan Blot, Polémia

Coisas incorrectas!

Sê boa, diz-me coisas incorrectas
do ponto de vista político.

Um exemplo: que és loira e que fumas.
Que não crês que o Ocidente
seja um monstro de barbárie
dedicado à sórdida tarefa
de oprimir o planeta.

Outro exemplo: que o multiculturalismo
é um novo fascismo
Só que mais tacanho
ou que te divertes a desancar um pedagogo
ou um psicólogo
e que o mediterrâneo te horroriza.

Diz-me coisas que me levem à fogueira…
directamente. Diz-me, diz-me, diz-me atrocidades
Que questionem verdades absolutas
como: “eu não creio na igualdade”
ou diz-me, diz-me coisas terríveis
como: que tu me queres
ainda que eu não seja do teu sexo.
Que me queres
com loucura e para sempre
como queriam antes
as mulheres da terra.
(…)

Não vim aqui para fazer amigos
mas sabes que podes sempre contar comigo.
Dizem que sou um tanto animal,
mas no fundo sou um sentimental.
A minha família não é gente normal
são de outra época e corte moral.
Resolvem os seus problemas de forma natural.
Para quê discutir, se podes lutar.
Dá-me um sorriso de cumplicidade
E toda a tua vida se deterá.
Nada será o mesmo, nada será igual,
já sabes…
Feio, forte e formal.
No calor da noite, em plena luz do dia,
sempre disposto a alegrar-te o dia.
Homem de bem
de carta cabal
e como o DUQUE:
Feio, forte e formal.
A minha fama me precederá
até ao infinito e mais para lá.
E por Deus, que escrito está:
«Se te dou a minha palavra,
nunca se romperá»

Burn!