O tempo dos mediagogos
Não houve surpresa e Pedro Passos Coelho tornou-se líder do PSD. Isso basta para que o país se arrisque a tê-lo como primeiro-ministro. É um triste cenário que se perspectiva, tão triste quanto aquele que José Sócrates deixará como legado.
Acima de tudo a ascensão de Passos Coelho reflecte a entrada numa nova idade da democracia portuguesa, do tempo dos demagogos chegamos ao tempo dos mediagogos, aquele grupo de indivíduos que valem sobretudo pela sua imagem mediática, pela sua empatia com as câmaras de televisão, vazios de ideias, ao sabor das vagas que permitem chegar ao poder, dizem o que for preciso e politicamente vantajoso. É o triunfo das aparências sobre as essências. Numa era em que a política é feita de futilidades, slogans publicitários e assessores de imagem, valem mais os sorrisos cinematográficos, o à vontade perante as câmaras e os bons fatos e gravatas do que as convicções inabaláveis e os méritos profissionais extra-políticos.
Passos Coelho é a mesma coisa que José Sócrates, um e outro nunca provaram nada na vida fora do colo do respectivo partido, mas parece que tanto o primeiro como o segundo se dão bem com as câmaras… só muda a sigla da bandeira, mas como, por detrás das cores de PS e PSD, se escondem, na verdade, os mesmos interesses, restam as ilusões para quem as não conseguir desmontar.
A verdadeira profissão de Passos Coelho é o “jotismo”. O “jotismo” é uma actividade que a democracia foi disseminando crescentemente ao longo dos anos. O “jota” é geralmente aquele indivíduo que passa toda a sua juventude (juventude que, no caso destes especímenes se costuma prolongar até aos trintas e muitos, altura em que os outros já são homens) num partido, ao seu serviço e a servir-se dele: trabalha para o partido e beneficia pessoal e profissionalmente do partido mais do que dos seus méritos. Passos Coelho acabou um curso de economia às três pancadas numa faculdade privada quando tinha 36 anos (faz sentido, para o jota, ao contrário do homem comum, os 36 anos devem marcar o fim da juventude…) e mesmo assim, sem qualquer curriculum que o justificasse, conseguiu em “meia-dúzia” de anos ser colocado pelos amigos do partido a dar aulas numa outra instituição privada e nos mais altos cargos das empresas de um grupo (Fomentinvest) dominado pelos seus confrades social-democratas. Ninguém com o curriculum deste Passos Coelho teria uma trajectória profissional destas se não tivesse sido um importante “jota”.
Estes indivíduos que fazem carreira nos partidos são parasitas sociais que não criam qualquer mais-valia para o país mas que lhe sugam recursos, tachistas hiper-remunerados que minam as organizações para as quais entram, geralmente para cargos de chefia, passando por cima (e para cima) daqueles cujo mérito não é um cartão de filiação política mas o seu esforço e capacidade.
A verdade é que a degradação do nível intelectual e dos méritos profissionais e virtudes éticas dos dirigentes políticos democráticos tem vindo a acentuar-se notoriamente. Hoje, olhando para os principais partidos, não encontramos os melhores da nação, mas os mais oportunistas da nação, o pior que ela cria.
A degradação societária está também relacionada com o aumento dos profissionais de partido, gente que nunca fez nada de relevante na vida para além de estar inscrita e pagar quotas para a agência de emprego partidária: empestam as câmaras municipais, enchem e rebaixam o parlamento, corrompem as empresas onde são metidos pelos seus correligionários, etc.
O problema da nossa democracia não é o partido X ou o partido Y, é a própria existência dos partidos nos moldes actuais e o seu poder económico-social. É, pois, um problema de funcionamento do regime que não pode ser resolvido sem se acabar com o peso dos partidos na vida social e empresarial da nação, sem se combater os “profissionais de partido”, sem alterações às regras da própria democracia, porque a “democracia representativa” como hoje existe é um grande factor de podridão e destruição da nação.
Passos Coelho será apenas o próximo actor desta farsa.