Month: Julho, 2009

A grande vitória do sistema

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«La plus grande victoire du système est d’avoir persuadé les esprits, non de ses qualités, mais de son caractère fatal »

in Élements, nº132

No editorial do mais recente número da revista Élements, dedicado aos rebeldes e aos falsos rebeldes, toca-se no ponto essencial. De facto, a maior vitória do sistema não é ter convencido as pessoas das suas qualidades, mas da sua fatalidade, isto é, do seu carácter irrevogável, definitivo.

Isto é notório para todos os grandes processos do modelo de funcionamento das sociedades ocidentais. Não podemos ser contra a Globalização porque se trata de um processo irreversível, não podemos opor-nos à imigração porque “os imigrantes já cá estão”, não podemos procurar um outro modelo económico porque não existem alternativas à dicotomia liberalismo-marxismo, não podemos sair da U.E. porque seria a Hecatombe, não podemos questionar a democracia porque é a “pior forma de governo com excepção das outras que se conhecem”, e assim sucessivamente…

Quando somos confrontados com o carácter fatal do funcionamento do modelo parece que todas as suas formas nasceram espontaneamente e tomaram conta da humanidade sem que os homens pudessem fazer algo. Na realidade, é o preciso oposto, nenhuma destas formas de funcionamento da sociedade nasceu por si mesma, são meros resultados da vontade e da decisão de alguns homens, de leis e instituições criadas pelo homem, e, da mesma forma, a sua reversão ou modificação depende apenas do mesmo, da decisão dos homens, é tão simples quanto isso.

Mas pesa sobre essa ideia uma sombra terrível, como se para lá do que existe espreitassem as trevas… o que aconteceria se seguíssemos outro caminho, se criássemos outro modelo? E a resposta do sistema é rápida: O Caos!

O sistema está blindado pela propaganda incessante que faz pesar sobre as populações um medo terrível da mudança, uma aversão ao risco e uma crescente habituação à comodidade na mediocridade.

Assim, a política ficou reduzida à economia, ou melhor, à baixa economia, à gestão comezinha de orçamentos própria de “donas de casa”; e nos programas “sérios” e jornais de “referência” a única coisa que se debate é a forma de melhor rentabilizar o modelo: um bocadinho mais de Estado aqui, um bocadinho menos ali…investimento público ou investimento privado, o Estado ou os particulares…essas são as grandes questões das oposições “respeitáveis”!

Os grandes temas estão fora do debate e do pensamento, atingimos o melhor dos mundos possíveis, e aos homens resta trabalhar, trabalhar muito, para serem produtivos como máquinas, comer e foder, como é próprio dos animais, consumir o que não precisam para saciar as necessidades que a publicidade lhes impõe, ver televisão e beber…para entreter e esquecer.

A subversão inicial ou o bolchevismo da Antiguidade

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A doutrina cristã implicava uma revolução social. Afirmava na realidade, pela primeira vez, não que a alma existe, mas que todos possuíam uma idêntica ao nascerem. Os homens da cultura antiga, que apenas nasciam numa religião porque nasciam numa pátria, tinham antes tendência a pensar que ao adoptarem um comportamento pautado pelo rigor e pela disciplina de si, poderiam chegar a forjar uma alma, mas que uma tal sorte estava evidentemente reservada aos melhores. A ideia de que todos os homens podiam indiferentemente com ela ser gratificados, pelo único facto de existirem, era-lhes chocante. O cristianismo mantinha, ao contrário, que cada um nascia com uma alma, o que resultava em dizer que os homens nasciam iguais perante Deus.

Por outro lado, na sua recusa do mundo, o cristianismo apresentava-se como herdeiro de uma velha tradição bíblica de ódio aos possantes, de exaltação sistemática dos “humildes e dos pobres”, cujo triunfo e vingança sobre as “civilizações iníquas e orgulhosas” havia sido anunciado pelos seus profetas e salmistas. (…)

“Aí têm o ideal social do profetismo judaico, escreve Gérard Walter: uma espécie de nivelamento generalizado que fará desaparecer todas as distinções de classe e que conduzirá à criação de uma sociedade uniforme, de onde serão banidos todos os privilégios, quaisquer que sejam. Esse sentimento igualitário, levado ao limite, vai junto com o da animosidade irredutível em relação aos ricos e aos possantes, que não serão admitidos no reino futuro.”

A partir daí compreendemos melhor que o cristianismo tenha inicialmente parecido aos antigos uma espécie de religião de escravos, veiculando uma espécie de “contra-cultura”, não colhendo êxito senão junto dos insatisfeitos, dos desclassificados, dos invejosos, dos revolucionários “avant la lettre”: escravos, artesãos, apisoadores, cardadores, sapateiros, mulheres sozinhas, etc. Celso descreve as primeiras comunidades cristãs como “uma mescla de gentes ignorantes e mulheres crédulas recrutados entre os dejectos do povo”.

Nenhuma ideia é então mais odiosa para os cristãos do que a ideia de pátria: como poderíamos servir ao mesmo tempo a terra dos pais e o Pai dos céus? Não é da nascença, nem da pertença à Cidade, nem da antiguidade da linhagem, que depende a salvação, mas unicamente da conformidade aos dogmas. A partir daí não há outra distinção do que aquela entre os crentes e os não crentes, as outras fronteiras devem desaparecer. Hermas, que goza em Roma de grande autoridade, condena por todo o lado os convertidos ao exílio: “Vós, os servidores de Deus, habitais sobre uma terra estrangeira. A vossa Cidade é longe desta Cidade.”

Estas disposições de espírito explicam a reacção romana. Celso, patriota preocupado com a salvação do Estado, que pressente o enfraquecimento do Imperium e o rebaixamento do sentimento cívico que poderia resultar do triunfo do igualitarismo cristão, começa a sua obra “Discurso verdadeiro contra os cristãos”, com estas palavras: “Há uma nova raça de homens nascidos ontem, sem pátria nem antigas tradições, ligados contra todas as instituições religiosas e civis, perseguidos pela justiça, marcados pela infâmia e que se glorificam na execração pública, são os cristãos. São facciosos que pretendem manter-se à parte e separar-se da sociedade comum.”

O princípio imperial é, naquela época, o instrumento de uma concepção que se realiza na forma de um vasto projecto. Graças a ele, a pax romana reina num mundo ordenado (…) Mas, para os cristãos, o Estado pagão é obra de Satanás. O império, símbolo supremo de uma força orgulhosa, é apenas uma arrogante derisão. Toda a harmoniosa sociedade romana é declarada culpada, a sua resistência às exigências monoteístas, as suas tradições, o seu modo de vida, são uma ofensa às leis do socialismo celestial. Culpada, ela deve ser punida, isto é, destruída.

Alain de Benoist, in “Les idées à l’endroit”, 1979