«Admitamos um cenário de saída [do euro], com um euro a valer 200$00 mas objecto de uma desvalorização de 30% logo a seguir. Assumamos ainda para o PIB um valor de €165 mil milhões e uma dívida externa de valor equivalente. Neste caso, o PIB passava a medir-se por 33 mil milhões de contos. Mas, como os 200$00 valiam apenas 0,7 euros, a dívida externa pulava para 47 mil milhões, 43% mais. A primeira consequência era negativa.
Mas é no plano social que as comparações devem ser feitas. Do lado das empresas, e uma vez que o preço das exportações baixava, passaríamos a vender mais e a criar mais postos de trabalho: seria óptimo. Mas em termos de poder de compra, e uma vez que o preço das importações subia, os mesmos escudos compravam agora menos coisas e o nível de vida regredia: seria péssimo. Estaremos disponíveis para trocar menos salários por mais emprego?»
Daniel Amaral, Diário Económico de 19/02/2010
O cenário que Daniel Amaral aqui apresenta, de forma naturalmente muito resumida, tem cada vez mais de começar a ser pensado como uma das escolhas que ainda estão nas nossas mãos, enquanto nação. É evidente que, entre prepararmos a saída do Euro com tempo e planeamento, como sugere o Prof. Ferreira do Amaral e sermos forçados a sair do Euro por incapacidade de lá permanecer, a primeira opção é preferível e minoraria os custos sociais e económicos dessa saída.
Em boa verdade, e depois de ultrapassada a fase mais penosa de reintrodução do escudo, i.e., a fase de ajustamento, esta opção traria ainda um outro risco a longo prazo: num Estado tradicionalmente despesista, contaminado por nomeações partidárias e por cunhas, a disponibilização de um instrumento de política monetária que permitisse a manipulação da taxa cambial á vontade, acarretaria o risco de voltarmos, em poucos anos, a não ter contenção com a despesa pública, que foi algo a que, apesar de tudo, o euro obrigou e tem obrigado, com os custos que conhecemos. Isto significa que esta revolução económica deveria, idealmente, ser acompanhada de uma revolução total na classe política portuguesa, com gente consciente de que os novos instrumentos obrigariam a novas e acrescidas responsabilidades. Caso contrário voltaríamos rapidamente aos mesmos problemas de contas públicas, com ou sem moeda própria.
O problema é que a alternativa de permanência no Euro afigura-se cada vez mais como um beco sem saída e em condições humilhantes. Aqueles que nos estão a conceder os empréstimos, a taxas que aliás não sabemos como e quando iremos conseguir pagar, impõem-nos como condição o empobrecimento definitivo da nossa mão de obra, aconselhando inclusive que seja facilitada a entrada de mão-de-obra do norte de África, para baixar os nossos custos de produção (salários). Ou seja, o trade-off que nos é proposto para salvar no imediato a nossa economia da falência passa por transformar Portugal num espaço de mão-de-obra barata dentro da EU, um sítio onde, quando necessário, se possam colocar empresas europeias que precisem de baixos custos de produção, de onde se possam importar alguns bens baratos e onde certos serviços (sobretudo de lazer) sejam disponibilizados aos europeus do norte a baixo preço, como o turismo. O que nos propõem é que assumamos o papel de criadagem empobrecida e agradecida, e consciente do seu lugar, da Europa mais rica.
Quem compete através dos baixos salários e de fracos sistemas de protecção social são países como a Nigéria, a China ou o Paquistão. Até que ponto devem os portugueses empobrecer para serem competitivos com esses países nos mercados internacionais? Isso é aceitável? E alguém acha que isso é possível enquanto exportarmos em euros, que é uma das moedas mais caras do mundo e feita à medida de economias altamente industrializadas como a alemã?
Por outro lado, a ideia de que podemos evitar competir com o terceiro mundo através dos baixos custos produtivos pressupõe uma ideia fantasiosa do país e que alguns costumam debitar nas televisões: a de que, em vez disso, passaremos a competir com os países mais desenvolvidos, porque, por algum milagre, surgirão não se sabe de onde, um conjunto de empresas portuguesas, não de serviços ou construção mas produtivas, capazes de competir nos mercados de produtos de alto valor acrescentado que valem pela sua qualidade e diferenciação. Aqui o euro não seria um factor de desvantagem competitiva porque os mercados desses produtos são por natureza caros – a qualidade paga-se – e os concorrentes têm moedas fortes. Isto é certamente uma formulação bonita quando é feita nas televisões, mas, até ao momento, não passa de uma utopia. Não temos nem teremos essa estrutura produtiva, pelo menos nos anos mais próximos. Qual é então o nosso futuro com uma moeda tão cara como o euro e completamente desajustada das necessidades competitivas de economias como a portuguesa nos mercados internacionais?