Estado de Guerra
Vi Estado de Guerra (The Hurt Locker) há umas, poucas, semanas. Gostei francamente. Estado de Guerra é um filme “jungeriano”: a guerra é retratada como uma experiência interior, quase mística, onde os homens se descobrem no pior e no melhor. Não é um filme moralista, não impinge ao espectador uma moralidade a preto e branco sobre aquele conflito em particular ou a guerra em geral.
A história acompanha uma comissão no Iraque do Sargento William James, um especialista em desarmamento de bombas viciado na adrenalina daqueles momentos em que, sozinho perante engenhos explosivos que tem de anular, se vê confrontado, ao mais pequeno erro, com a iminência da sua própria morte. Esse gosto pelo perigo, pela vida no arame, contrasta com a existência pacata que deixou para trás nos EUA, juntamente com a sua jovem e bela mulher e filho bebé.
E é nesse contraste que reside a força e a originalidade deste filme, porque, ao contrário do que é costume, neste caso não é para a existência pacífica e tranquila de uma vida familiar que o herói ambiciona regressar. Pelo contrário, ele deseja, isso sim, fugir dessa existência serena para regressar a esse desafio quotidiano contra a morte. Porquê?
Uma das cenas memoráveis do filme ajuda a perceber a razão. Depois de ter regressado a casa, James está com a família num hipermercado a fazer compras e, a dada altura, chega a uma infindável prateleira com dezenas e dezenas de marcas de cereais. Ele pára em silêncio a olhar para aquela diversidade de oferta, indeciso quanto ao que comprar, e percebemos a irrelevância de tudo aquilo, percebemos que havia mais vida na guerra do que na tranquilidade anestesiante e alienante que a sociedade de consumo oferece, com as suas inúmeras marcas e necessidades artificialmente criadas, existência mais própria de animais domésticos do que de homens…é ali, naquele hipermercado, que ele está verdadeiramente morto, sem centelha de vida. No mundo moderno, perante existências serenas, repetitivas e desinteressantes, a guerra pode constituir para alguns um refúgio onde viver aventurosamente e intensamente, apenas com virtudes de carácter, sem hierarquias de dinheiro ou necessidade de aptidões comerciais. Afinal, um homem pode morrer aos 100 anos e, bem vistas as coisas, apenas ter vivido 365 dias de uma qualquer comissão de guerra…