O primeiro sexo

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É possível ser jornalista do «Figaro» e anti-conformista. Éric Zemmour já o provou. Reincide num curto panfleto, incisivo e iconoclasta: «Le Premier Sexe».

A tese é simples: o «segundo sexo», descrito há mais de meio-século por Simone de Beauvoir, tornou-se o primeiro. E mesmo o único. «O homem é uma mulher como as outras» e «o pai… uma mãe como as outras». Audiard, Ventura e Gabin estão mortos e Michel Blanc encarna o novo ideal masculino. Passámos do mundo de «Os sicilianos» ao de «Três homens e um bebé» ou de «Uma mulher inesperada». As causas desta mutação radical são numerosas.

A mais distante remonta ao grande ordálio de 1914 que desvalorizou os valores guerreiros pelo seu descomedimento de ofensivas vãs e de heroísmo inútil. Na sequência as mulheres descobriram as fábricas e o feminismo. E o feminismo é a arma absoluta para a desqualificação do «macho». A ideologia do Maio de 68, «paz e amor», permitiu um novo avanço dos valores femininos. E o capitalismo, possante máquina criando e vivendo da indiferenciação, encontrou aí a sua vantagem; as mulheres tornaram-se produtores como os outros, atirando o custo dos salários para baixo; e os homens consumidores como os outros, criando novas saídas para as multinacionais da moda e da imagem. Os pigmaliões do mundo novo são os homossexuais – perdão: os gays – e as imagens que eles veiculam através da moda e da publicidade, definindo os espíritos e desvirilizando os homens. O homem moderno, aberto à publicidade, depila-se, adorna-se, perfuma-se, oferece-se roupa interior e jóias, e tudo isso é bom para o PIB!

As consequências desta evolução são numerosas. É o enfraquecimento, senão o desaparecimento, do modelo masculino tradicional: o indivíduo combativo, conquistador, que corre riscos. O sentimentalismo substitui a energia, a emoção a razão, a compaixão o conflito.

Sobre as ruínas do indivíduo ergue-se um novo valor; o casal. A sociedade vive na era do «acasalamento» efémero que toma o lugar da família inscrita na linha da hereditariedade e do legado. Assim que «há um problema num casal», este separa-se em detrimento da família e das crianças. Nesta sociedade feminizada, onde o «casal» é o alfa e o ómega da vida social, «há cada vez mais crianças sem pais e portanto sem referências».

Nesta sociedade feminizada, a política, que é conflito, que é combate ( a distinção amigo/inimigo, cara a Carl Schmitt), afasta-se do seu campo de origem. O voto já não é útil, é fútil. «Macho» durante muito tempo, Jacques Chirac torna-se e volta a tornar-se Presidente da República, aparecendo na comunicação social soft e enquanto cuida da sua filha. As prioridades do seu mandato são a luta contra o cancro, a luta contra a insegurança rodoviária, a luta contra a desvantagem, em resumo, «um belo programa para presidente do conselho geral».

Esta evolução (involução?) produz também uma perda de dinamismo da sociedade que Éric Zemmour atribui menos ao envelhecimento do que à efeminização: porque a mulher conserva, não cria, não transgride. A erecção ( se o ousamos dizer) do «princípio de precaução» em princípio central da sociedade não vai, é verdade, no sentido da inovação e da ruptura!

Último ponto levantado por Éric Zemmour, a persistência de modelos masculinos entre as minorias étnicas e religiosas. Assim, «o jovem árabe é o silêncio mais ruidoso da sociedade francesa» porque «ele pertence a um universo onde os homens não estão feminizados». O autor retoma aqui uma tese desenvolvida por Alain Soral em «Misères du Désir». Éric Zemmour vê mesmo na agressão de que foram vítimas jovens brancos por parte de árabes e negros aquando da manifestação liceal de 8 de Março de 2005, uma consequência da efeminização: para ele é menos como «ricos» ou «brancos» que foram agredidos do que como «jovens homens desvirilizados e depreciados». É também através da efeminização da sociedade que Éric Zemmour interpreta a crise identitária dos «jovens judeus dos bairros populares» que «encontraram, eles também, uma virilidade por procuração, são sionistas». Éric Zemmour não o diz mas há também outros grupos de jovens brancos viris ou másculos: skinheads, membros de claques de futebol, militantes de extrema-direita, mas esses são, é verdade, demasiado marginalizados porque são vítimas de uma repressão muito selectiva.

Andrea Massari

Esta recensão parece-me conseguida, mas não deixarei de acrescentar um pequeno excerto do livro que, de algum modo, contradiz aquela última frase. Na realidade, se o não diz com a crueza de Massari, a verdade é que o autor da obra conclui, de certa forma, que é precisamente nessa «extrema-direita» proibida, nessas áreas inconformistas, rebeldes e nacionais, que se encontram hoje os jovens homens brancos que são herdeiros de um certo universo rude, duro, reactivo, indomesticável, em suma, masculino, que a modernidade liberal, fraterna e igualitarista pretende apagar por completo do imaginário europeu:

«Trinta anos depois, o jovem árabe é o silêncio mais ruidoso da sociedade francesa. É à vez rejeitado e desejado, odiado e fantasiado. Ele é o inaceitável e o vago arrependimento. As feministas abominam-no mas não ousam dizê-lo por herança anti-colonialista. Ficam furiosas por ver as cidades regressar à idade da pedra anti-feminista e, ao mesmo tempo, ficam encantadas por encontrar um repositório masculino tão perfeito. Ele é o bárbaro em Roma, o lobo entrado em Paris. Tem uma linguagem próxima de um Neandertal. É o homem perante a civilização. Reage de maneira binária, «porca» ou «respeito», putas em mini-saia ou santas com véu, puta ou virgem. Ele não leu Stendhal. Ele não leu René Girard. Não leu Dostoievski e O Eterno Marido. Mas oferece, por vezes, a sua conquista aos seus amigos durante as famosas «rodadas». Não leu nada mas a sua carne é por vezes triste. Os arquétipos masculinos. As caricaturas. Eles vêm de um universo onde os homens não estão efeminizados, onde se conduzem de acordo com as suas pulsões, mas onde as suas pulsões estão contidas por um quadro rígido, familiar e religioso. Ora, eles vivem num país onde esse quadro implodiu. São conquistadores numa cidade aberta. Os outros jovens observam-nos com uma mistura de terror e de inveja. Esses árabes fazem tudo o que a mamã os proibiu. Para além deles só os jovens negros se podem apoderar da imagem do macho, os cantores de rap reconhecem e assumem um donjuanismo festivo, sem complexos, por vezes violento. Os nossos rapazes tão bem educados não reconhecem que gostariam de os imitar. Só um pouco. Só uma vez.

Alguns ousam. Esses transgridem. Esses reagem. Imitam sem o saber. Eles também jogam aos pequenos galos. Pequenos galos contra pequenos galos. Vagueiam pelos subúrbios, são rivais pelos empregos ou pelas raparigas. São operários ou trabalhadores ou desempregados, brancos. Eles votam Le Pen. Em massa. Em 2002 como em 1995. Não votam nos comunistas nem nos trotskistas. Isso é bom para os jovens das faculdades. Como se Le Pen, a sua grande lata, as suas provocações, as suas gabarolices, a sua linguagem crua, as suas poses de gladiador, lhes definisse um exemplo viril. O «Menir», como ele se nomeia a si mesmo.»