Rumo ao alto

by RNPD

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O teu caminho é duro.

Falta-te o fôlego. Há momentos em que queres jogar ao chão essa mochila que te pesa, abandonares-te à descida, e chegar lá abaixo a essas herdades que fumegam, soltando nuvens sobre o fundo verde e cinzento dos prados e dos telhados de ardósia.

Sentes a nostalgia das águas paradas, e dos juncos claros, do remo que salpica, do caminho simples, sem esforço, à margem da ribeira.

Querias não sonhar com nada, apagar do teu pensamento a memória dos homens e, estendido sobre a erva, olhar o céu que passa, relaxado pelo voo de um pássaro.

Mas não! Há que seguir! Não tirarás a mochila, não deixarás cair o bastão. Não olharás os teus joelhos ensanguentados. Não escutarás o clamor dos ódios, não olharás esses olhos que sorriem maldades escondidas. Para cima é que há que olhar.

O teu corpo não deve viver senão para as cordas que o envolvem, o teu coração não deve sonhar senão com esses cimos que tu e os outros devem alcançar.

Conta-me, até ao fundo, a tua amargura.

Acreditavas numa alegria imediata ao subir a encosta, conduzindo um rebanho humano. Quanto sofreste! Às vezes sentiste asco. Tinhas necessidade. Era preciso que aprendesses a lição de que a ambição não compensa e que, tarde ou cedo, abandona o coração que possui. Agora já o sabes, não é assim? Sabes que não há que contar com nenhuma alegria constante, aprendeste a duvidar da ajuda que te podem dar os homens, se a tua face enrubesce não será pelas carícias mas pelos golpes dos outros.

Sem dúvida não pensavas que isto fosse assim. Imaginavas que, ao longo do caminho, os olhares e as mãos dos demais se estenderiam para ti, para apaziguar a tua febre…

Então, talvez reflictas e decidas regressar abaixo.

Não, meu filho, agora é quando a vida começa a ser verdadeiramente bela, porque sofremos por ela, e somente com o nosso esforço poderemos dominá-la.

Recordas os primeiros dias? Desejavas que a ascensão fosse maravilhosa, é certo. Ias, nada menos, que libertar a tua alma.

Mas recorda o que é o homem capaz de levar escondido.

Não é verdade que acreditavas nesse turvo prazer do demónio e das homenagens?

Sim, talvez não desejasses cruamente tudo isso e tinhas, para julgá-lo, palavras bastante sinceras. Mas tudo aquilo florescia, contudo, ao largo das tuas acções, como a espuma ao largo do mar. Pensavas lealmente que não vivias para essa orla luminosa, bela, porque estavas longe, no confim das praias. Mas a tentação estava viva no teu coração. Querias algo grande, ainda que, todavia, mantivesses junto a ti, intacto, o teu pensamento. O teu orgulho consentia-te uma violência um tanto cobarde.

Estavas disposto a cumprir o teu dever. Mas deixavas a tua consciência acrescentar, em voz baixa, que talvez o dever pudesse coincidir com o renome e a ambição.

Agora já não o crês, e, por isso, os teus olhos têm reflexos melancólicos.

Olhas o vazio. E não deve ser assim. Olha direito, de frente, para desprezar tudo o que amavas apesar de não ser puro.

Os que te sublevam tantas vezes, pela sua maldade e pelas suas injustiças, ajudaram-te mais que tu mesmo.

Nega-lo? Dizes que deste em vão o teu corpo e o teu alento, o teu coração e o teu pensamento?

Em vão? Por que não te entregaste mais?

Só agora começarás a entregar-te por inteiro!

Era precisa que a maldade dos outros te abatesse. Era preciso que na hora em que acreditavas que ias cair, esgotada a tua resistência, nos enganos dos outros e nos seus desprezos, fincasses pé para continuar…

Era preciso que todos os teus gestos de amor estivessem salpicados de ódio, que todos os teus impulsos se maculassem, que cada palpitação do teu coração fosse acompanhada de um golpe no teu rosto…

Conheceste tantas vezes esses últimos metros angustiantes, em que sorrias perante a meta, apesar do suor e da palidez. E, um segundo depois, seguias, traído pelos teus, perseguido pelos outros!

Havia que começar de novo!

E sempre o vazio enganoso do vale atraindo-te e os álamos oscilantes procurando chamar-te como uma fileira de navios, sobre o mar dos dias felizes.

Sofreste o rigor dos combates. Disseste a ti mesmo que qualquer que seja a vitória, o preço é demasiado alto e não o queres pagar.

Pensavas sempre em ti mesmo, para ti mesmo, tão só pelo prazer humano de ter chegado ao final; no puro engano. Mais, se a vida não te tivesse esbofeteado cem vezes, terias, por acaso, alguma vez compreendido que existem outras recompensas além do orgulho, dos sorrisos aduladores e da glória?

Adivinhaste a hipocrisia em tantos rostos!

Descobriste todas as suas mentiras, todo o seu fel, todas as baixezas que te tinham destinado! Isto, de toda a vez que retomavas o caminho!

Já não tens direito a nada!

Esse olhar que te vigia, essa mão que se estende em direcção a ti, essa palavra de alento, carregaram-se de opróbrio e ouvirás o rumor confuso dos ódios viperinos.

Na hora suprema de tudo teres dado, dirão que eras um ambicioso.

No momento em que o teu coração se sinta totalmente abandonado, pedir-te-ão os mais vis serviços.

Viras o rosto para que não te vejam, com pesar teu, chorar? Porquê? Pensas, ainda, em ti mesmo? Sofres todavia com a injustiça quando, na realidade, se trata somente de um problema teu?

Quanto custa ao homem desprender-se do homem!

Deixa-os abater sobre a tua vida como chacais, deixa-os rir dos teus sonhos, deixa-os abrir, a todos os ventos, o segredo do teu coração!

Sofre, que te atirem às bestas da inveja, da calúnia, da baixeza! Suporta, sobretudo – e nada te mortificará mais que isso… – que, no momento em que não possas mais, e os teus joelhos se dobrem, e os teus olhos procurem um olhar, e os teus braços uma mão amiga, então, quando estás pendente dessa palavra e desse olhar, a palavra caia sobre ti para desfazer-te, e o olhar para fazer-te sofrer; aceita, por fim, que os que querem derrubar-te sejam os que mais perto tinhas, aqueles a quem te havias abandonado, aqueles a quem tão ingenuamente amavas, sem reservas, sem uma só reticência.

Os teus olhos revelam uma angústia mais patética que um grito. Não grites, porém! Espera que tudo o que ontem sofreste se renove amanhã. Aceita-o de antemão. Não te voltes, sequer, ao ouvir, por detrás de ti, esse murmúrio atroz. Bendiz os golpes que recebas. Ama os que virão depois. Ser-te-ão mais úteis que os corações que, em verdade, te amam.

Talvez encontres um dia, ou acaso já encontraste, esses afectos que te chegam como uma lufada de ar puro ou como o aroma das flores campestres.

Até que, à força de sofrer, não tenhas aprendido a prescindir deles, não os gozarás dignamente.

Tê-los-ias perdido, sem dúvida, se não tivesses pago cem vezes o seu preço sem a menor garantia de os obter.

Já não contam para ti.

Afasta-os do teu pensamento.

Mais, se um dia reaparecem, aproveita-os, como uma dessas paisagens sublimes que se vêem ao passear, são um detalhe.

Não tinhas vindo para ver isso… não; chamavam-te outras coisas: o ar, a luz dos altos cimos…

Já respiras melhor. Agora espera, em paz, a verdadeira alegria, as grandes neves da consciência, brancas, brilhantes, sem a marca de uma só pegada, mudas num doce silêncio…Não penses senão nelas, não olhes para mais que elas, apressa-te e chega, ligeiro, puro, pleno de sol.

Sente as tuas debilidades e as tuas faltas, arrepende-te delas, e só delas. O teu orgulho, o teu renome, os ímpetos de vaidade das horas, já longínquas, da partida, tudo isto atira-o para lá das rochas…

Não ouviste como se despedaçavam? Bem morto está tudo aquilo! A amargura e o abandono, em vez de indignar-te, serão o teu sustento pelo caminho que se abre. Esses cães que ladram guardarão o rebanho dos teus pensamentos; sem eles, o que seria de ti? Terias que deter-te, perder-te-ias, sem rumo. Não percas nem um instante. Estás, ainda, muito longe. E deves chegar até ao alto…

Quando alcançares essa imensidão pura, far-se-á um grande silêncio por detrás de ti. Todos os que gritavam, injuriando-te, os que te odiavam, os que queriam derrubar-te apesar dos seus sorrisos, todos os que te seguiam pelo caminho, mas para te agredir, dar-se-ão conta, subitamente, de que atrás de ti também eles chegaram ao alto, às neves puras, ao ar novo, aos horizontes recortados sobre o céu…então esquecerão o seu ódio e olhar-te-ão com olhos maravilhados de criança. Terão descoberto o essencial. As suas almas ter-se-ão elevado a cimos que jamais se teriam atrevido a aceitar como metas, se os tivessem visto. Mas estavam tapados pelas tuas costas, as costas que eles agrediam.

Então a vitória será tua…poderás, depois de te teres entregue até ao último esforço, cair, com os braços cruzados, desde o grande cimo, com os seixos, até ao fundo longínquo do abismo.

Tudo terá terminado. A vitória será tua. Voltar abaixo já não terá importância, terás deixado a vida com o último esforço, mas os outros estarão ali, à beira da imensidão, virginal, da sua redenção…

Sabes que aí está a única, a verdadeira felicidade.

Canta! Que a tua voz ressoe nos vales profundos!

Não te arrependas das tuas lágrimas.

O mais duro já está feito! Agora, resiste e resiste! Cerra os dentes e põe uma mordaça no teu coração! E sobe!

Leon Degrelle, Cimas, in Almas Ardiendo