Acabei de ver o documentário “Inside Job” de Charles Ferguson, sobre a crise financeira iniciada nos EUA pelas escandalosas actividades especulativas de alguns dos maiores bancos mundiais e que resultou no resgate financeiro, por parte do Estado (portanto dos contribuintes…) de algumas dessas instituições. No final de tudo aquilo, os quadros dirigentes daqueles Bancos e as próprias instituições financeiras onde se fizeram todo o tipo de práticas desonestas ainda conseguiram enriquecer mais e reforçar o seu poder.
O documentário é absolutamente imperdível mostrando com clareza a promiscuidade existente entre os Bancos e os tais governos democráticos. É impressionante a lista de antigos e actuais quadros superiores e administradores dos maiores Bancos que são nomeados para os principais cargos de política económica, nacional e internacional. Que interesses servem eles? Os dos Bancos que lhes pagam ou os do cidadão comum?
Mas se todo o documentário é brilhante há um capítulo que considero fulcral. Para além do lobbying que as instituições financeiras fazem directamente sobre os governos, há um outro tipo de relação que é exposta e que me parece até mais importante. Falo da relação entre as instituições financeiras e alguns dos principais académicos de Economia. Ficamos ali a saber que vários professores de Harvard, da London Business School (o reputadíssimo Richard Portes), da Universidade de Columbia e de tantas outras reputadas faculdades de Economia foram pagos, por instituições financeiras e comerciais, para escreverem relatórios e análises “académicas” em defesa da desregulação dos mercados e dos produtos financeiros.
Essa gente usa as universidades para difundir ideias e doutrinas que beneficiam os grandes interesses financeiros, formatando a mente dos alunos, falando nas televisões disfarçados com a respeitabilidade e suposta isenção que a população, ingenuamente, atribui aos títulos académicos dos Srs. Professores, e são conselheiros do poder político em matéria de políticas económicas.
Muito do que hoje é dominante em matéria de pensamento económico não tem qualquer comprovação na realidade, é resultado de modelos simplistas e dogmáticos, e muitos trabalhos de suposta investigação académica são manietados pelos “especialistas” de acordo com o que pretendem demonstrar no final.
A dada altura o realizador entrevista o presidente do Departamento de Economia de Harvard, John Campbell, e pergunta-lhe se ele não vê qualquer inconveniente em ter professores cujo rendimento advém, em grande parte, de trabalhos para, ou pagos por, instituições financeiras e empresariais, ao que Campbell responde: “não”…então o realizador faz-lhe a seguinte comparação, sob a forma de pergunta: “Um médico escreve um artigo a dizer que para tratar uma determinada doença deve receitar-se uma determinada droga, mas descobre-se que 80% dos rendimentos desse médico advêm do laboratório que fabrica a tal droga…isso não o incomoda?”…a reacção de Cambpell é impagável, começa a gaguejar sem saber o que dizer, porque a comparação é exacta e mortífera: temos vários académicos de Economia a defenderem em salas de aulas ou em trabalhos de investigação determinado tipo de politicas económicas que são as que interessam às grandes instituições financeiras para as quais também trabalham e de onde provem larga parte do seu rendimento.
Dos bancos mais influente o caso mais conhecido será talvez o Goldman Sachs. Veja-se uma pequena lista dos nomes que passaram pelo Banco e que exercem ou exerceram cargos de influencia política:
Hank Paulson, antigo secretário de Estado do Tesouro dos EUA
Saiu da liderança do Goldman Sachs para ser secretário de Estado do Tesouro durante a administração Bush. Paulson delineou o programa de ajuda à banca durante a crise financeira de 2008, que também resgatou o Goldman.
Mario Draghi, futuro presidente do BCE
O futuro presidente do BCE, Mario Draghi, foi director-geral da Goldman Sachs International entre 2002 e 2005. A ligação levou-o a enfrentar perguntas dos eurodeputados sobre se esteve envolvido na ocultação do défice grego.
Mark Carney, governador do Banco Central do Canadá
O actual governador do banco central do Canadá passou 30 anos no Goldman.Foi responsável pelas áreas relacionadas com risco soberana e foi o homem com a tarefa de delinear a estratégia do banco durante a crise russa de 1998.
Romano Prodi, antigo presidente da comissão europeia
O antigo presidente da Comissão e ex-primeiro-ministro italiano esteve no Goldman nos anos 90. A ligação valeu-lhe críticas da Oposição quando rebentou um escândalo a envolver o Goldman e uma empresa italiana.
Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial
O actual presidente do Banco Mundial foi director-geral do Goldman.Antes de se juntar ao banco tinha trabalhado no Departamento do Tesouro norte-americano. Lidera o Banco Mundial desde Julho de 2007.
Robert Rubin, antigo Secretário de Estado do Tesouro dos EUA
Robert Rubin teve cargos de topo na administração do Goldman. Após 26 anos no banco foi escolhido por Bill Clinton como secretário de Estado do Tesouro. Após passar pelo Governo, trabalhou no Citigroup.
Ducan Niederauer, presidente da NYSE Euronext
O presidente da NYSE Euronext, Duncan Niederauer, que detém as bolsas de Nova Iorque e de Paris, Bruxelas, Amesterdão e Lisboa, foi responsável do Goldman pela área da execução de ordens dadas sobre títulos financeiros.
Mark Patterson, Chefe de Staff do Tesouro dos EUA
Mark Patterson é o chefe de gabinete do actual secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner. Antes de se juntar ao governo estava registado como lóbista, intercedendo para defender os interesses do Goldman.
António Borges, director do Departamento Europeu do FMI
O economista foi vice-presidente e director-geral do Goldman entre 2000 e 2008. Após sair do banco foi da associação que delineia a regulação dos ‘hedge funds’. Em Outubro de 2010, foi nomeado director do FMI para a Europa.
Carlos Moedas, Secretário de Estado adjunto do Primeiro Ministro
Após acabar o MBA em Harvard, no ano 2000, o actual responsável pelo acompanhamento do programa da ‘troika’ foi trabalhar para a divisão europeia de fusões e aquisições do Goldman Sachs. Saiu do banco em 2004.
William C. Dudley, presidente da Fed de Nova Iorque
O actual presidente da Fed de Nova Iorque é a segunda figura mais importante na condução da política monetária dos EUA. Foi durante mais de uma década economista-chefe do Goldman e director-geral.
E isto são apenas os nomes ligados ao Goldman Sachs, agora imagine-se à escala global…
Aliás, basta olhar muito sucintamente para Portugal, Miguel Frasquilho, por exemplo, é um dos principais pensadores da política económica do PSD, que actualmente é governo, foi professor universitário de Economia e é deputado no parlamento, ao mesmo tempo que lidera o Departamento de Research do Banco Espírito Santo. António Nogueira Leite, professor universitário de Economia da Universidade Nova e membro do Conselho Nacional do PSD, exerce vários cargos de administração em diversos grandes grupos económicos nacionais e é vice-presidente do BANIF Investment Bank. Alguém acha que Frasquilho defenderá dentro do PSD ou no parlamento ideias que possam chocar com os interesses do BES? Ou que Nogueira Leite apresente aos seus alunos ideias que sejam contrárias às políticas económicas do Banco de que é vice-presidente ou dos grandes grupos de que é administrador? E quantas vezes vimos estes dois indivíduos serem convidados para aqueles grandes debates televisivos, que se pretendem muito sérios, ao estilo “Prós e Contras”, onde as grandes mentes desta nação explicam ao povo humilde, ávido de conhecimento, os problemas e soluções para o país?